“O que eu mais sinto falta aqui dentro é da minha família. Até não digo da liberdade, porque temos que pagar pelo que fizemos. Eu quero sair daqui de cabeça erguida e não dever nada. A minha maior saudade é dos meus filhos e dos meus netos”, relata Maria, apenada da Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba. Assim como Maria, mães, filhas e avós integram esse sistema.
As condições prisionais também são medidas por gênero, e ser mulher presa não é uma experiência vivida da mesma forma em todas as suas dimensões. A maternidade, a culpa e o abandono são questões que também permeiam esse ambiente. Num universo de 43 mil pessoas que vivem em privação de liberdade no RS, em torno de 2.300 são mulheres. As particularidades da população feminina no cárcere demandam especial atenção, tanto no aspecto assistencial quanto no de custódia.
Inicialmente criado por homens e para homens, o sistema prisional nem sempre é capaz de absorver todas as necessidades específicas e diferentes daquelas manifestadas pelo público masculino. Reconhecer o encarceramento feminino enquanto uma categoria única e particular é um passo necessário para destinar um tratamento adequado às mulheres em cumprimento de pena privativa de liberdade, de detenções provisórias ou de medidas de segurança nas unidades prisionais.
Atualmente, há cinco estabelecimentos prisionais femininos no RS – dois em Porto Alegre, um em Lajeado, um em Torres e um em Guaíba. Há, ainda, um a ser construído em Passo Fundo, e outro que será inaugurado em Rio Pardo em breve. Além disso, existem 57 unidades mistas, que alojam mulheres em celas, alas ou galerias distintas das destinadas aos custodiados do sexo masculino, conforme previsão legal.
Lidar com a distância da família quando se é responsável pelos filhos, com a solidão causada pela falta de visitas, com as dificuldades ligadas ao período menstrual, dentre outras demandas, são apenas algumas das dificuldades que derivam da condição de ser mulher enfrentadas diariamente por essa parcela da população no sistema prisional.
Maternidade e desestruturação familiar
De acordo com dados levantados pelo Departamento de Tratamento Penal (DTP) da Susepe, em fevereiro de 2022, 78% das mulheres encarceradas no Rio Grande do Sul são mães. E uma das principais especificidades que envolvem esse público é o fato de que as mulheres geralmente são as responsáveis pelos filhos, assumindo o papel de chefes de família. Com a reclusão, há casos em que as crianças têm de transitar entre as casas de familiares ou abrigos de adoção, o que gera uma desestruturação dos núcleos familiares.
Maria conta que teve que lidar com a maternidade sem ter uma rede de suporte e que sempre foi a provedora do lar. “Eu criei os meus filhos sozinha e nunca tive ajuda de ninguém. Eles eram pequenos e eu sempre quis dar para eles o que eu não tive. Hoje em dia, os meus netos não têm pai”, comenta. Ela também fala que, dentro de uma penitenciária, a única coisa que a abala é saber que a sua família está passando por alguma dificuldade na rua.
Além da entrada da mulher que já é mãe no sistema penitenciário, há também os casos de encarceramento durante a gestação. A carência de espaços adequados para receber mulheres nessa situação demonstra que o sistema prisional brasileiro foi estruturado com base em um entendimento que, diversas vezes, negligencia as necessidades singulares do público feminino, fator que acentua ainda mais sua exclusão na sociedade. Atualmente, em privação de liberdade no RS, há dez apenadas grávidas em diferentes estabelecimentos prisionais.
O Presídio Estadual Feminino Madre Pelletier e a Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba são os dois locais que contam com uma Unidade Materno-Infantil (UMI), espaço onde mulheres presas podem permanecer durante a gestação e até os seis meses de vida da criança, tendo em vista a importância do aleitamento materno e da convivência familiar. Nesses ambientes, são aplicadas regras diferenciadas, que visam à humanização e à oferta de melhores condições para mães e filhos.
Menstruação no ambiente prisional
Em um contexto de singularidades, o período menstrual se torna mais um fator de vulnerabilidade para as mulheres privadas de liberdade. O acesso a absorventes ocorre por meio da distribuição pelo Estado, conforme prevê a Lei de Execução Penal, e também pelo auxílio prestado por uma rede de parceiros que mobiliza doações a fim de promover assistência material a essas mulheres, além dos familiares que podem contribuir com produtos de higiene.
Como o uso desses itens varia de acordo com o fluxo de cada pessoa, é relativo dizer se a quantidade ofertada de absorventes é suficiente para cada mulher em situação de privação de liberdade. Para suprir uma possível carência das necessidades individuais das presas, na busca de dignidade menstrual e capacitação profissional para as detentas, o sistema prisional do RS fomenta uma política pública pioneira que contribui para a garantia dos direitos dessas mulheres: a produção de bioabsorventes.
A iniciativa, que atualmente ocorre em quatro unidades prisionais femininas gaúchas, foi eleita um dos oito melhores projetos brasileiros de trabalho prisional selecionados pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e tem sido um modelo para implementação em outros estados.
Ainda nesse cenário, para evitar a menstruação, algumas mulheres presas utilizam contraceptivo de modo contínuo, como os injetáveis, fornecido pelas Unidades Básicas de Saúde dos estabelecimentos prisionais. Essa medicação é distribuída pela Atenção Básica do Sistema Único de Saúde. Em Guaíba, por exemplo, de 372 presas, 159 fazem uso dessa injeção e não menstruam, de acordo com dados disponibilizados pela unidade em março de 2022.
A solidão intramuros
“O mais difícil é a saudade, ficar longe de quem a gente gosta. Faz tempo que eu estou aqui, já me adaptei, mas não é fácil ”, conta Julia, apenada que também está recolhida em Guaíba. Ela, assim como Maria, recebe visitas de familiares – realidade diferente da de grande parte das outras mulheres em reclusão, que recebem pouca ou nenhuma atenção e acabam esquecidas pela própria família.
Diversos fatores estão relacionados ao abandono que se apresenta na forma de ausência de visitas. O custo de deslocamento para as famílias quando o estabelecimento prisional não é no mesmo município em que elas residem e os casos em que os atos cometidos pelas apenadas não são perdoados pelos familiares são apenas alguns dos motivos.
Quando se compara o fluxo de visitantes entre presídios localizados na mesma cidade, o que implica semelhantes condições de acesso, os dados indicam que, nos presídios masculinos, a assistência externa prestada por companheiros e familiares é maior do que nas unidades femininas.
Em dados de novembro de 2019, ao considerar os números de visitantes no Presídio Feminino Madre Pelletier e na Penitenciária Estadual de Porto Alegre, ambos na mesma cidade, apenas 17,18% do total de visitas no estabelecimento feminino corresponde ao comparecimento de pessoas classificadas como “companheiros(as)”, enquanto no estabelecimento masculino essa proporção foi de 63,22%.
“Geralmente, elas ficam sem visita, perdem esse vínculo, esse contato familiar, que faz bastante diferença para quem está em situação de prisão. E isso com certeza tem um impacto na saúde mental delas. Elas passam de cuidadoras e de centros da família para uma situação de quase abandono”, destaca a coordenadora da Divisão de Saúde Prisional da Susepe, Paula Carvalho Gonçalves.
Paula também aborda que, apesar de serem em número bem menor que os homens, as mulheres em situação de prisão precisam de mais atendimento e assistência devido à complexidade envolvida em uma unidade prisional feminina. Por isso, elas contam com o apoio de uma equipe de técnicos superiores penitenciários da Susepe, como psicólogos, assistentes sociais e advogados.
Busca por um tratamento adequado às mulheres
Nos últimos anos, houve um avanço na busca por um tratamento adequado e específico às mulheres privadas de liberdade, com a implementação de políticas públicas direcionadas à melhoria das condições de custódia e de assistência dessa parcela da população. Como parte deste movimento, foi concretizada uma iniciativa importante no início deste ano no RS: a assinatura do Plano Estadual de Atenção às Mulheres Privadas de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional.
Com eixos de atuação focados na promoção da cidadania, na maternidade e na infância, na modernização do sistema e nas egressas, o plano objetiva a garantia de direitos das apenadas, considerando as especificidades de gênero no contexto prisional. Serão estabelecidos fluxos de atendimento aos serviços de proteção social destinados às detentas, aos seus familiares e às egressas. O documento também institui a promoção da convivência e da manutenção dos vínculos entre mulheres e seus filhos.
Em menor número no sistema prisional, o público feminino demanda serviços de assistência diferentes daqueles oferecidos aos homens. E as desigualdades não se limitam apenas à detenção, elas também dizem respeito à reintegração na sociedade. Com isso, o fomento às práticas sociais educativas com orientação psicossocial que integram o plano visam o desenvolvimento humano e a ressocialização dessas mulheres, além da possibilidade de acesso ao trabalho, como forma de possibilitar um recomeço para elas.
Os nomes utilizados nesta matéria são fictícios para preservar a identidade das mulheres privadas de liberdade.
Fonte e foto: Governo / RS
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