Operação Resgate, com participação do MPT e de outros órgãos federais, foi realizada ao longo de todo o mês de julho em 23 unidades da federação
Fotos: alojamentos irregulares em que foram mantidos os trabalhadores e local em que foi efetuado o resgate em uma granja de apanha de frangos. Crédito: SIT, Divulgação
Metalúrgico em um município da região Oeste do Paraná, um homem de 47 anos, se viu em dificuldades após perder o emprego com o fechamento da empresa em que trabalhava. Na procura por um novo emprego, topou com uma postagem no Facebook de uma empresa terceirizada situada em outra cidade da região Sul. O anúncio afirmava estar recrutando trabalhadores para atuar no setor de abastecimento de frigoríficos na Serra Gaúcha. Ele se candidatou. Embarcou para o RS no início de julho e viu-se em uma situação de trabalho análogo à escravidão.
“Foi um processo de seleção ilusório. Foi oferecida alimentação, alojamento, tudo por conta do empregador, a gente se deslocou para o município da agência que estava intermediando e que estava cobrando R$ 500 por cabeça para indicar os candidatos à vaga. Chegando no Rio Grande do Sul, descobrimos que iam nos cobrar tudo isso, descontado do salário” – conta ele.
O ex-metalúrgico foi um dos 26 homens resgatados em Serafina Corrêa entre os últimos dias 11 e 15 pela Operação Resgate, força-tarefa resultado de parceria entre seis órgãos públicos: Ministério Público do Trabalho (MPT); Ministério Público Federal (MPF); Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Previdência (SIT); Polícia Federal (PF); Defensoria Pública da União (DPU); e Polícia Rodoviária Federal (PRF).
A força-tarefa executou 105 ações contra o trabalho escravo em 23 unidades da Federação. Maior ação conjunta com foco no combate ao trabalho análogo ao escravo e tráfico de pessoas no país, começou a partir do dia 4 de julho, e se alternou entre vários Estados ao longo do mês para resgatar 337 trabalhadores submetidos às modernas formas de escravidão laboral. A força-tarefa ainda segue em andamento.
Esta foi a segunda edição da Operação Resgate, a primeira foi realizada em janeiro do ano passado, com um total de 136 resgatados. Os resultados da operação foram anunciados na manhã de hoje em entrevista coletiva no Auditório do Conselho Superior do MPF, na Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Quase 50 equipes de fiscalização estiveram diretamente envolvidas nas inspeções. Goiás e Minas Gerais foram os estados com mais pessoas resgatadas na operação conjunta. As atividades econômicas com maior quantidade de resgate no meio rural foram serviços de colheita em geral, cultivo de café e criação de bovinos para corte.
No meio urbano, chamaram a atenção os resgates ocorridos em uma clínica de reabilitação de dependentes químicos e os casos de trabalho doméstico. Seis trabalhadoras domésticas foram resgatadas em cinco estados.
Foram resgatadas, ainda, de condições análogas à escravidão, cinco crianças e adolescentes e quatro migrantes de nacionalidade paraguaia e venezuelana. Pelo menos 149 dos resgatados na Operação Resgate II foram também vítimas de tráfico de pessoas. As fiscalizações ocorreram nas seguintes unidades da federação: AC, AL, AM, BA, CE, DF, ES, GO, MA, MS, MG, MT, PB, PE, PA, PI, PR, RJ, RO, RS, SC, TO, SP.
NO RIO GRANDE DO SUL
No Estado, a operação foi responsável pelo resgate de 26 homens que foram ludibriados com a proposta de emprego em Serafina Corrêa para atuar na apanha de frangos, serviço de recolhimento de aves vivas nas granjas e fazendas fornecedoras de um frigorífico da região. Os resgatados eram todos homens adultos, a maioria oriunda de outros Estados da Federação, tais como Bahia, São Paulo e Paraná, como o ex-metalúrgico. Havia também entre os trabalhadores dois paraguaios.
A operação teve início no dia 11 de julho, visando um grupo de empresas prestadoras de serviços de um frigorífico da região. Três equipes, compostas de procuradores do trabalho, auditores-fiscais do trabalho, defensor público da união, oficiais de justiça e agentes da polícia federal cumpriram mandados de busca e apreensão em locais diferentes: no escritório da empresa e em um mercado, além da inspeção dos alojamentos.
Seguindo o ônibus que levava parte dos trabalhadores para a execução do serviço, à noite, a força-tarefa foi também até uma granja no interior de Marau, onde flagrou as condições irregulares de trabalho. Após a identificação dos trabalhadores envolvidos na atividade, foi efetuado o resgate. Pelo MPT-RS, participaram os procuradores Franciele D’Ambros, da PTM de Uruguaiana, e Lucas Santos Fernandes, da PTM de Pelotas e coordenador regional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete).
Segundo o que foi apurado na operação, os 26 homens eram aliciados para assumirem o trabalho com promessas enganosas. Ao chegarem ao Rio Grande do Sul, descobriam que o valor da passagem que os havia trazido de seus Estados de origem seria descontado de seus salários, bem como o aluguel do alojamento, consistente em cômodos que comportavam em torno de três trabalhadores, em condições inapropriadas, sem móveis suficientes para todos, sem roupa de cama, com fiação elétrica exposta e existência de mofo. A alimentação era fornecida por meio de vale-compras, os quais eram aceitos em um único mercado da cidade.
“Tudo era pago pelo funcionário, de alimentação, alojamento e despesas adicionais. Foi dito no anúncio que seria por conta do empregador. Quando chegamos no RS, não era. A princípio ele pagava o valor, mas descontava em folha de pagamento todas essas despesas. Como só podíamos comprar num supermercado, os preços eram muito altos, como R$ 16 por uma lata de óleo – conta o resgatado.
“A situação dos dois trabalhadores paraguaios era ainda pior do que a dos demais. Além de estarem em situação irregular no país, eles estavam alojados em uma casa sem água quente para o banho, sem vidros em algumas janelas, inclusive no banheiro, onde também não havia porta, em uma localidade que registra baixas temperaturas nesta época do ano” – relata a procuradora Franciele D’Ambros.
TRABALHO EXTENUANTE
Além das péssimas condições de alojamento e dos descontos que praticamente deixavam pouco ou quase nada a receber, os trabalhadores eram também submetidos a uma carga estafante de um trabalho particularmente pesado.
“A gente trabalha no turno da noite, sem adicional noturno e sem o custeio do deslocamento, que era por micro-ônibus. Houve dia em que a gente saiu 15h30min, fizemos oito cargas de oito caminhões, cerca de 40 mil frangos, e com os deslocamentos entre as granjas voltamos pro alojamento só às 13h do dia seguinte, e isso tendo que voltar às 18h30min pra começar tudo de novo” – narra o resgatado.
Além disso, as atividades eram realizadas sem todos os equipamentos de proteção individual (EPI) necessários, sendo que o próprio uniforme de trabalho, incluindo botas, também era cobrado dos trabalhadores.
– E isso em uma atividade particularmente insalubre. O acúmulo do esterco das galinhas é gerador de gases, tais como o enxofre, além de outras poeiras decorrentes da movimentação dos animais, não havendo o fornecimento de máscaras, por exemplo – conta Franciele D’Ambros.
PERFIL
No caso do Rio Grande do Sul, os resultados da Operação Resgate refletem um perfil já identificado do trabalho escravo contemporâneo ocorrido no Estado: normalmente em áreas rurais, em atividades econômicas ligadas à produção de alimentos em larga escala e tendo como vítimas normalmente trabalhadores migrantes oriundos de outros Estados e até mesmo do Exterior.
“Apesar da crise, ainda há uma imagem do Rio Grande do Sul como uma terra de oportunidades para o trabalho, principalmente o rural, o que leva muitos trabalhadores de outros Estados a tentarem uma oportunidade por estarem desesperadamente necessitados de trabalho. A crise, assim, torna muitos particularmente vulneráveis a armadilhas que os levam a condições degradantes de trabalho – afirma o procurador Lucas Santos Fernandes.
Uma tendência de aumento de casos tem sido verificada. De acordo com dados da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Previdência (SIT), em 2021 haviam sido resgatados 76 trabalhadores ao longo de todo o ano. Com os novos casos registrados nesta operação, já são 140 apenas neste ano.
PÓS-RESGATE
Após o resgate, em atuação conjunta do Ministério Público do Trabalho e da Defensoria Pública da União, foi firmado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o proprietário da empresa fiscalizada – o mesmo empresário era responsável por quatro empresas prestadoras de serviços de apanha. O TAC estabelece para todo o grupo econômico obrigações de fazer e de não fazer com vistas à regularização das contratações, a impedir a continuidade dos descontos ilegais e à manutenção de alojamentos em condições adequadas.
O termo também impôs ao compromissário o pagamento total de R$ 92.258,26 em verbas rescisórias para os trabalhadores, referentes ao período trabalhado e aos descontos e outros R$ 114 mil a título de danos morais individuais – cada trabalhador recebeu como dano moral entre R$ 4 mil e R$ 6 mil (o ex-metalúrgico recebeu R$ 4 mil).
Além do resgate dos trabalhadores, a ação conjunta dos órgãos federais tem como objetivo a verificação do cumprimento das regras de proteção ao trabalho, a coleta de provas para garantir a responsabilização criminal daqueles que lucram com a exploração e a reparação dos danos individuais e coletivos causados aos resgatados. Também foram realizadas ações fiscais e lavrados autos de infração em todo o Brasil.
Foi oportunizado aos 26 trabalhadores resgatados o retorno às suas cidades de origem, cujo custeio também foi realizado pelo empregador.
DIA MUNDIAL DO ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS
Participaram ativamente do resgate das vítimas mais de 100 auditoras e auditores fiscais do Trabalho, 150 policiais federais, 80 policiais rodoviários federais, 44 procuradoras e procuradores do Trabalho, 12 defensoras e defensores públicos da União e 10 procuradoras e procuradores da República. A operação tem seu desfecho próximo ao Dia Mundial do Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (30 de julho), data instituída em 2013 pela Assembleia Geral das Nações Unidas – ONU a fim de “criar maior consciência da situação das vítimas do tráfico de seres humanos e promover e proteger seus direitos”.
No Brasil, o art. 149-A do Código Penal, inspirado no Protocolo de Palermo, define o crime de tráfico de pessoas, como o ato de agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; submetê-la a qualquer tipo de servidão; adoção ilegal ou exploração sexual.
RESGATADOS
Goiás – 90 trabalhadores resgatados
Minas Gerais – 78
Acre – 37
Rondônia – 29
Rio Grande do Sul – 26
Bahia – 25
São Paulo – 20
Espírito Santo – 9
Mato Grosso do Sul – 9
Mato Grosso – 7
Piauí – 3
Paraíba – 2
Pará – 1
Pernambuco – 1
Ceará – 1
Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul
Assessoria de Comunicação
Secretaria da Mobilidade informa alterações no trânsito no bairro Maria Goretti, em Bento
Valor de repasse do IPE Saúde é ampliado e prestadores receberão R$ 163,1 milhões nesta quinta, dia 21
Belo Natal recebe o show “Tudo Passa” neste final de semana, em Monte Belo do Sul