JFRS condena quatro agentes autônomos de investimentos em ação envolvendo prática de churning

A 7ª Vara Federal de Porto Alegre (RS) condenou quatro agentes autônomos de investimentos por induzirem os clientes em erro ao sonegar informações sobre as operações realizadas em suas carteiras. Eles realizariam diversas operações com os valores mobiliários para obterem lucros do recebimento de comissões de corretagem, prática conhecida como churning. A sentença, publicada em 8/7, também fixou valores de reparação para os três investidores considerados lesados.

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação contra seis homens narrando que, entre novembro de 2009 e maio de 2011, eles, na condição de agentes autônomos de investimentos ligados a uma empresa sediada na capital gaúcha, detinham o controle da conta de seus clientes. Assim, realizam inúmeras manobras de compra e venda de valores mobiliários sem autorização dos investidores com objetivo de receber as taxas de corretagem.

Segundo o autor, os denunciados utilizavam de artifícios fraudulentos, traindo a confiança dos clientes, sonegando-lhes informações ou as prestando falsas. A finalidade era ocultar a real posição financeira dos investimentos, que só era apresentada após a ocorrência do prejuízo. Sustenta que, mesmo com as significativas perdas causadas a alguns clientes, a empresa obtinha significativo lucro em suas atividades, pois a remuneração era diretamente atrelada às receitas geradas com as operações de seus investidores.

Em suas defesas, os dois sócios da empresa alegaram que todos os clientes sabiam das operações realizadas em suas carteiras de ativos, nunca tendo sido submetidos a uma falsa percepção da realidade quanto aos resultados obtidos. Sustentaram que não houve a configuração de churning, já que os investidores buscaram o serviço dos agentes autônomos para que estes administrassem seus valores, e não para atuarem como meros repassadores de ordens, tendo-os autorizados a realizar investimentos.

Um demandado argumentou que não era agente autônomo, não atuava como preposto da corretora intermediária, não apresentava produtos para clientes e não possuía acesso a sistemas para realizar investimentos, apenas limitava-se a repassar informações da empresa para as pessoas que indicava como clientes. Já outros dois homens afirmaram que não há provas da sua participação na prática delitiva, não restando comprovado que eles tenham operado a conta dos dois investidores citados na denúncia.

O último indiciado defendeu que todas as operações realizadas na conta de do cliente foram autorizadas por seu procurador, bem como registradas através de ligações telefônicas gravadas pela empresa. Destacou que não atuou com má-fé e que os investidores recebiam notas de ordens de investimento de todas as operações realizadas em suas contas.

A atuação do agente autônomo

Ao analisar o conjunto probatório anexado aos autos, a 7ª Vara Federal de Porto Alegre pontuou que a denúncia solicitou a condenação dos réus pela prática do delito de sonegar informação ou prestá-la falsa, prevista no art. 6º da Lei nº 7.492/86. Destacou que o tipo não exige a prática de fraude para sua configuração.

“A norma visa a tutelar, primordialmente, a credibilidade do Sistema Financeiro Nacional e a confiança dos investidores. Secundariamente, tutela-se o patrimônio do investidor contra potenciais prejuízos decorrentes da omissão ou prestação de informações falsas acerca das operações financeiras”, ressaltou a decisão.

A sentença destaca que as relações mantidas entre o agente autônomo e o cliente investidor e entre o agente autônomo e a instituição em relação à qual atua como preposto deve ter como base a confiança entre os envolvidos. O agente autônomo deve agir, de acordo com a legislação da matéria, com o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo dispensa à administração dos próprios negócios.

“Por essa razão, ao contrário do gestor de carteira, o agente só pode realizar operações no mercado mediante expressa e prévia determinação do investidor, sob pena de caracterização de um conflito de interesses: afinal, a remuneração do agente autônomo não depende diretamente da rentabilidade auferida nas operações realizadas pelo cliente, mas sim do valor envolvido nas operações, do qual recebe percentual. Evita-se, assim, que o agente indique ou realize diretamente operações no mercado que não tragam qualquer benefício a seu cliente, com o único intuito de gerar remuneração ao próprio agente”, afirma a decisão.

Prática de churning era estratégia da empresa

Na análise do caso concreto, o juízo ressaltou que para se certificar se houve ou não o induzimento ao erro mediante sonegação ou prestação de informações falsas é preciso examinar qual seria o dado verdadeiro omitido ou falseado que diria respeito ao churning. Segundo a denúncia, esta prática se caracteriza pela realização de sucessivas operações não autorizadas pelos clientes com objetivo de gerar maiores taxas de corretagem e comissões.

A decisão cita o relatório “Determinação dos parâmetros para a caracterização da prática de churning no Brasil”, elaborado pela Bovespa Supervisão de Mercados em julho de 2011, que procurou traçar indicadores objetivos por meio dos quais se pudesse delimitar a negociação excessiva e a geração de receitas acima de níveis aceitáveis. O documento foi feito com base em literatura especializada e em decisões administrativas e judiciais de outras jurisdições, especialmente dos Estados Unidos da América.

Pelo estudo, as três características básicas presentes cumulativamente para definir o churning são o (1) controle da conta do cliente, (2) o volume exagerado de negociação que gera (3) custos excessivos para o cliente e receitas para o operador da corretora de valores. Para identificação destas características, são utilizados dois indicadores formais.

Para julgar a denúncia do MPF, a 7ª Vara Federal da capital analisou a atuação dos agentes autônomos nas contas de quatro investidores. Em apenas uma os elementos constantes nos autos não permitiram certificar, acima de qualquer dúvida, a ocorrência do churning. Em função disso, o agente autônomo responsável por ela foi absolvido por insuficiência de prova.

Em relação às outras, constatou-se que a gestão dos investimentos e a decisão sobre as aplicações eram feitas pelos agentes autônomos vinculados à empresa. Os clientes não detinham o controle de fato sobre as operações realizadas, na medida em que não as autorizavam imediatamente. Um deles, conforme citado na decisão, mesmo eventualmente estranhando as operações e questionando-as, aceitava as explicações dadas e permitia a continuidade da gestão de seus valores, acreditando no retorno financeiro prometido.

A sentença apontou que os três investidores não possuíam conhecimento ou experiência suficientes no mercado de capitais para analisar as informações recebidas e concluir que o elevado número de operações estava consumindo a rentabilidade de sua carteira. Quando um deles buscou orientação sobre o fato, teria sido mantido na situação de erro, acreditando que o número de operações consistia em estratégia de investimento válida e que os resultados negativos seriam normais e momentâneos.

Diante desses fatos, o juízo concluiu estarem comprovadas a quebra de dever de lealdade e a indução e manutenção de erro dos três investidores mediante a sonegação de informações a respeito das operações realizadas, levando-os a acreditar que as movimentações visavam a rentabilidade de seus investimentos quando, na verdade, buscavam gerar remuneração dos agentes autônomos.

A decisão aponta que a gestão da carteira ter sido oferecida desde o início do relacionamento dos investidores à empresa indica que a realização de operações excessivas era uma estratégia da firma e não prática de um ou outro agente autônomo, pelo menos para clientes inexperientes no mercado de capitais. Este entendimento foi reforçado pelo envolvimento direto dos dois sócios.

Ao verificar a autoria dos delitos praticados, a 7ª Vara Federal entendeu que eles foram comprovados em relação a quatro réus, julgando parcialmente procedente a ação. Os dois sócios da empresa receberam penas de reclusão de três anos e sete meses, sendo substituídas por prestação de serviços a comunidade e prestação pecuniária de 10 salários-mínimos.

Os outros dois agentes autônomos receberam dois anos e oito meses de reclusão, convertida em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de cinco salários-mínimos. A sentença também fixou os valores de reparação dos danos causados aos investidores (R$ 8.522,59, R$ 14.212,37 e R$ 25.075,02) e quais dos réus deverão quitá-los. As partes já estão apelando da decisão ao TRF4. Além desta ação, ainda há outros três processos tramitando na 7ª Vara Federal da capital envolvendo a prática do churning. Um deles já concluso para prolação da sentença.

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