Estudo aponta fragilidades e propõe ações para reduzir danos ambientais na Serra Gaúcha

Publicação reúne diagnóstico técnico e propostas estruturantes após a maior catástrofe climática já registrada no RS

 Um ano após a maior catástrofe climática já registrada no Rio Grande do Sul, a Embrapa apresenta um estudo técnico que revela a alta vulnerabilidade da Serra Gaúcha frente a eventos extremos e propõe um conjunto de ações integradas para reduzir riscos futuros. O documento é uma entrega ligada ao Programa Recupera Rural RS.

A publicação foi elaborada por uma equipe multidisciplinar da Embrapa Uva e Vinho (Bento Gonçalves-RS), Embrapa Florestas (Colombo-PR) e Embrapa Clima Temperado (Pelotas-RS), em parceria com diversas instituições, como Emater-RS, Instituto Federal do Rio Grande do Sul (Campus de Bento Gonçalves-RS) Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação do RS. As análises abordam desde aspectos climáticos e geológicos até impactos sociais e econômicos sobre a vitivinicultura, atividade predominante na região. Com base nessas análises, são propostas várias soluções envolvendo ações de pesquisa e transferência de conhecimentos e tecnologias, bem como políticas públicas focadas em promover resiliência e aumentar a sustentabilidade socioeconômica e ambiental da Serra Gaúcha.

“Em um cenário de crescente frequência e intensidade de chuvas extremas, a tragédia evidenciou a urgência de ações estruturantes e integradas. Essa publicação representa um passo estratégico nesse caminho, pois a partir do diagnóstico elaborado, a equipe propôs um roteiro estratégico para o desenvolvimento dessas ações”, afirma o pesquisador Henrique Pessoa dos Santos, um dos editores técnicos da obra e chefe adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Uva e Vinho.

Entre as medidas indicadas, o estudo propõe um conjunto de estratégias que vão além de medidas emergenciais. “O documento recomenda, por exemplo, a criação de linhas de crédito diferenciadas para produtores afetados, a necessidade de elaboração de um plano diretor específico para áreas rurais que priorize a segurança ambiental e, principalmente, a vida das famílias, a diversificação da produção agrícola e a construção de um programa de vitivinicultura de baixa emissão de carbono. Outra medida crucial destacada é a restauração florestal, que pode estar vinculada com mecanismos de pagamento por serviços ambientais”, resume Santos.

Um dos principais pontos abordados é o mapeamento das áreas de maior risco geológico, onde a declividade acentuada e os solos rasos aumentam as probabilidades de deslizamentos frente a eventos de chuvas extremas. O estudo também revela a influência da ação humana, envolvendo construção de estradas rurais, desmatamentos e manejos inadequados do solo, que contribuem para intensificar riscos associados com processos erosivos. Segundo Emiliano Santarosa, supervisor de Setor de Implementação da Programação da Transferência de Tecnologia da Embrapa Florestas, “neste diagnóstico também são apresentados aspectos importantes de restauração florestal e adequação ambiental, considerando as características do relevo e solos, zonas de convergência hídrica, áreas de preservação permanente, gestão de propriedades rurais e bacias hidrográficas”.

“As consequências socioeconômicas da catástrofe climática foram significativas, especialmente para muitos pequenos produtores rurais, que têm na viticultura a base principal da sua fonte de renda na nossa região. Perdas de áreas produtivas, danos a infraestruturas e riscos à segurança das famílias exigem medidas urgentes de apoio e reconstrução”.

“Essa publicação se apresenta como um referencial dos impactos, sendo que a partir de agora vamos iniciar as ações práticas de intervenção/adaptação/mitigação dos efeitos e seu monitoramento”, pontua o chefe-geral da Embrapa Uva e Vinho, Adeliano Cargnin, que ao longo da realização do estudo vem, em conjunto com a equipe, sensibilizando as autoridades e formadores de opinião para a importância dos resultados e proposições do estudo. “A intenção é articular junto ao setor produtivo, extensão rural e secretarias de agricultura a aplicação de tecnologias, tanto para as boas práticas agrícolas nos sistemas de produção quanto para restauração florestal e modelo sustentável da paisagem, incluindo pesquisa, capacitações e políticas públicas”, completa Santarosa.

Para Clenio Pillon, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa, a publicação representa um marco importante no compromisso da Embrapa com a ciência, a resiliência produtiva e a sustentabilidade ambiental. “Em um cenário de mudanças climáticas intensificadas, esta obra oferece um diagnóstico robusto e propostas concretas para apoiar a reconstrução e o fortalecimento das cadeias produtivas afetadas, especialmente na viticultura de encostas, bem como para subsidiar futuras políticas públicas com enfoque regional e/ou territorial”, destaca.

Ele complementa que a iniciativa, que já vinha sendo construída por meio da Plataforma Colaborativa Regional, foi essencial para a rápida formulação do Programa Recupera Rural RS, reunindo esforços de diversas instituições parceiras. “Mais do que uma resposta ao evento climático extremo vivido em 2024, este livro é um instrumento de orientação técnica e política, voltado ao desenvolvimento de ações estruturantes e à construção de um futuro mais seguro e sustentável para o meio rural da Serra Gaúcha”, avalia Pillon.

Destaques da publicação

O trabalho teve como foco a microrregião de Caxias do Sul, que contém uma área total de cerca de 500 mil hectares e envolve 19 municípios. Abrangendo em torno de 33,5 mil hectares de vinhedos, esses municípios respondem por cerca de 85% da produção de uvas do estado do Rio Grande do Sul. Segundo destaca Santos, nessa região foram registrados 1267 hectares de deslizamentos de terra, com danos diretos em aproximadamente 300 hectares de vinhedos (em torno de 1% da superfície vitícola da região). Estes deslizamentos se concentraram em áreas com solos rasos e que apresentam em média 30% ou mais de inclinação, que são típicas áreas de encosta.

A partir dessas características, destaca-se que os impactos potenciais podem ser muito altos, pois identificou-se que mais de 25% dos parreirais da Serra Gaúcha (aproximadamente 9 mil hectares) estão implantados em áreas de encosta, que apresentam inclinação superior a 30%.  “São áreas muito susceptíveis aos riscos relacionados com deslizamentos, caso se repitam esses eventos climáticos extremos. E sabemos que as chances de eventos semelhantes ocorrerem novamente são elevadas”, analisa o pesquisador.

Modelo de ocupação de encostas

Em face deste cenário, um dos principais resultados apresentados nesta publicação é um modelo para readequação estrutural, visando o uso e a ocupação sustentável de áreas de encosta. Foram evidenciadas as principais causas dos impactos observados, com apontamentos de proposições de ajustes para minimizar riscos de futuros desastres, conforme figura abaixo:

Paisagem atual das encostas patamarizadas, salientando-se fragilidades e incongruências de uso e ocupação dos solos (Crédito: Fábio Ribeiro dos Santos)

Proposta para as encostas patamarizadas, detalhando-se os ajustes para favorecer a resiliência da paisagem frente a condições extremas de mudanças climáticas  (Crédito: Fábio Ribeiro dos Santos).

Segundo os pesquisadores José Fernando da Silva Protas e Joelsio José Lazzarotto, da área de socioeconomia da Embrapa e editores da publicação, os impactos vão além da estrutura produtiva, porque envolvem inúmeros danos ambientais, sociais e econômicos, muitos dos quais, inclusive, são imensuráveis. “A partir do diagnóstico, fizemos um estudo detalhado acerca dos principais impactos socioeconômicos. No entanto, é importante destacar que, pela dimensão da catástrofe, é praticamente impossível mensurar o valor exato e o tamanho desses impactos. O que temos absoluta certeza é que, para a implementação e, sobretudo, o sucesso das estratégias propostas no documento, é imprescindível o envolvimento e a colaboração efetiva de diversos setores da sociedade vinculados com órgãos governamentais, produtores, cooperativas e sindicatos rurais, empresas de assistência técnica e extensão rural e instituições de pesquisa e ensino”, destaca Lazzarotto.

 Plataforma Colaborativa e o Recupera Rural RS

Esta publicação materializa o esforço colaborativo da rede de pesquisa da Plataforma Colaborativa Sul no diagnóstico dos danos causados pelo evento extremo ocorrido em 2024 e propõe recomendações estratégicas para a recuperação e o aumento da resiliência dos sistemas produtivos em áreas de encosta da Serra Gaúcha, com foco especial na viticultura.

“Foi um trabalho realizado a muitas mãos e esperamos que seja útil a todos os agricultores e agricultoras, colegas da pesquisa e extensão e do poder público, cujo objetivo comum é a busca por sistemas alimentares mais produtivos, resilientes e sustentáveis”, finaliza Rosane Martinazzo, coordenadora  da Plataforma Colaborativa Sul.

A publicação está disponível para acesso gratuito no site da Embrapa.

Fonte: Imprensa – Embrapa Uva e Vinho

Foto: Reprodução

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