Os especialistas são unânimes em afirmar: prevenir a iniciação é a forma mais eficiente de combater o tabagismo e toda a cadeia de consequências negativas a ele relacionadas. Sensibilizando profissionais das áreas da saúde, educação e recursos humanos a exercerem papel ativo diante desse desafio, o Simpósio de Controle e Combate ao Tabagismo e outros Fatores de Risco para o Câncer reuniu cerca de 100 pessoas na manhã de sexta-feira (25) no auditório do Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves.
Promovido pela Liga de Combate ao Câncer, o encontro trouxe nomes que são referência no tema para compartilhar com a sociedade um alerta: a indústria tabageira está trabalhando na captura de uma nova fatia do mercado para consumir seus produtos, e os jovens são seu principal alvo. “Essas empresas estão desenvolvendo subterfúgios para tornar o tabaco mais palatável. O uso de aditivos (produtos químicos que conferem sabor e odor mais agradáveis a diversos tipos de cigarros, como os mentolados, os aquecidos e o narguilé) claramente é feito para atrair a juventude, estimulando sua iniciação. Somada à propaganda subliminar, essa estratégia atinge com força os jovens em um momento da vida em que eles se percebem acima das complicações causadas, a médio e longo prazo, pelo tabagismo. Esse contexto aumenta nossa responsabilidade em desenvolver e aplicar eficientes ações preventivas”, alertou o José Miguel Chatkin, eleito para a presidência da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) para o biênio 2019-2020.
O desafio de impactar os indivíduos acerca dos malefícios do fumo abrange todos os setores da sociedade civil, inclusive o ambiente de trabalho, onde as empresas têm a responsabilidade de exercer práticas relacionadas à saúde individual e coletiva de seus colaboradores. “Proibir o tabagismo em ambientes fechados e em qualquer espaço corporativo é o primeiro passo. Porém, o trabalho das empresas precisa ser muito mais ostensivo, chegando também à família do colaborador”, comentou Luiz Carlos Corrêa da Silva, membro da Comissão de Tabagismo da SBPT, a qual coordenou por duas gestões, nos últimos quatro anos. O especialista trouxe outro dado preocupante: as mulheres estão fumando mais. “Seja por seu ingresso no mercado de trabalho, ou crescente condição de protagonismo no núcleo familiar, elas estão consumindo mais cigarros”, disse.
Modelo negativo e ciclo vicioso da pobreza
Nunca a diferença entre homens e mulheres fumantes foi tão pequena, o que coloca o público jovem e feminino como alvos das ações preventivas. “Uma estrutura familiar que tem pais tabagistas está transmitindo esse modelo de comportamento aos filhos. Isso é grave por dois motivos. O primeiro é que o cigarro, além de todos os malefícios e doenças correlacionadas, é a porta de entrada para outros tipos de drogas. Depois, porque a dependência causada pelo tabaco tem impacto negativo na qualidade de vida de toda a família, uma vez que os pais consomem parte da renda da casa para sustentar a dependência”, explica Luciana Monteiro Vasconcelos Sardinha, consultora para Doenças Crônicas Não Transmissíveis e Deficiências da OPAS – OMS Brasil.
Essa condição gera, segundo ela, um cenário conhecido como ciclo vicioso da pobreza: o provedor da família concentra seus gastos na compra de cigarros. Em consequência do tabagismo, adoece e torna-se menos produtivo no mercado de trabalho. Além disso, compromete mais ainda sua renda na aquisição de medicamentos para tratar as doenças causadas pelo tabaco. Logo, precisa ser sustentado pelos filhos – que tendem a repetir o modelo de comportamento observado na família.
A combinação entre baixa renda e escolaridade é a que mais propicia o consumo do tabaco entre os jovens. “Sabe-se que 90% dos fumantes experimentaram cigarros antes dos 15 anos, o que classifica o tabagismo como uma doença pediátrica. Prevenir a iniciação e a dependência à nicotina é, sem dúvida, nosso maior desafio, especialmente em um contexto nacional onde a educação está tão desacreditada, a propaganda tão agressiva e a legislação tão permissiva”, salienta Andréa Reis Cardoso, técnica da Divisão de Controle do Tabagismo do INCA -Ministério da Saúde. A crítica tem fundamento, sobretudo, na demora no processo de aprovação da lei que impede o uso dos aditivos em cigarros – que tramita desde 2013 no STF sem sequer entrar em pauta de votação.
Caminho certo
Se os desafios no combate ao tabagismo ainda são muitos, é importante reconhecer que avanços importantes também foram feitos – na década de 80, cerca de 35% da população era fumante. Nos dias atuais, esse percentual está na casa dos 14% – ou seja, o número de ex-tabagistas é maior do que o total de dependentes. Esses resultados são, em grande parte, méritos da mobilização da sociedade civil e seu engajamento na luta contra o fumo. “Outro fato relevante foi o aumento na incidência dos impostos sobre produtos oriundos do tabaco. A elevação do preço do cigarro é uma das estratégias para conter o consumo, especialmente junto à população mais jovem”, explica Valéria Cunha, Coordenadora do Programa Nacional de Controle do Tabagismo do INCA/MS.
Também entre as conquistas importantes está o incentivo a quem deseja vencer a dependência – o Brasil é um dos únicos países no mundo a oferecer tratamento medicamentoso às pessoas que procuram abandonar o tabagismo. Nesse segmento, também o trabalho de sensibilização feito por entidades como a Liga de Combate ao Câncer tem papel relevante, uma vez que facilita o acesso da população a essas alternativas. “Estamos unidos nessa missão de combate ao tabagismo, que é um fator de risco para diversos tipos de câncer, com impacto direto na qualidade de vida das pessoas. Queremos incentivá-las a adotar um estilo de vida mais saudável e, por isso, temos encampado diversas ações de conscientização e mobilização”, explica a presidente da Liga de Combate ao Câncer de Bento Gonçalves, Maria Lúcia Gava Severa.
Uma delas ocorreu durante o Simpósio, quando a entidade conclamou a formação de uma aliança, um chamamento coletivo entre entidades, profissionais das áreas da saúde, educação e recursos humanos para assumir o compromisso de atuar de forma conjunta na conscientização contra os malefícios do tabaco, trabalhando para evitar a iniciação ao vício e ajudando as pessoas a eliminarem esse fator de risco de suas vidas.
Fonte: Liga de Combate ao Câncer
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