Um carteiro da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deve ser reintegrado ao emprego porque seu pedido de demissão foi feito enquanto estava sob efeito de álcool e cocaína. No entendimento dos desembargadores da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), o ato é nulo, por vício de vontade, já que o trabalhador estava incapacitado naquele momento. A decisão reforma sentença da 1ª Vara do Trabalho de Sapiranga, que havia negado o pedido de reintegração. Cabe recurso ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).
O carteiro foi admitido pelos Correios em 1999. Durante a vigência do contrato de trabalho, afastou-se diversas vezes para tratamento da dependência química. Ao faltar cerca de 14 dias em março de 2015, foi chamado pelo seu superior hierárquico, que fez advertência no sentido de que poderia ser demitido por justa causa. Na ocasião, o reclamante redigiu pedido de demissão de próprio punho, o que foi aceito pela empresa. Dois dias depois, foi internado para desintoxicação e permaneceu em tratamento por 30 dias.
Posteriormente, ajuizou ação na Justiça do Trabalho sob a alegação de que não estava em seu juízo normal ao fazer o pedido, já que estava em crise pela ingestão de drogas. Conforme relatou ao profissional que fez sua perícia durante a tramitação do processo, teria ficado esses 14 dias “trancado em casa”, e passado em claro, consumindo drogas, a noite anterior à conversa com o chefe. Disse ter ficado apavorado com a possibilidade de despedida por justa causa e não soube explicar porque redigiu pedido de demissão. A carta de demissão foi datada com o ano de 1915 em vez de 2015, e a rescisão não foi homologada pelo sindicato. Entretanto, segundo o juízo da 1ª Vara do Trabalho de Sapiranga, o pedido de demissão teria sido legítimo, porque o próprio carteiro afirmou que o redigiu de próprio punho, ou seja, por sua própria vontade. Descontente com a decisão, o trabalhador recorreu ao TRT-RS.
Ato anulado
Segundo a relatora do recurso na 6ª Turma, desembargadora Maria Cristina Schaan Ferreira, “o pedido de demissão de empregado somente pode ser aceito pelo empregador se o trabalhador estiver manifestando sua vontade em condições racionais e emocionais normais, o que, à toda evidência, não ocorre no caso específico, em que o autor apresenta quadro de dependência química, pelo uso de álcool e de cocaína”. Para embasar esse entendimento, a relatora fez menção a diversos julgamentos do Tribunal Superior do Trabalho, em que se considerou a dependência química como fator capaz de afetar o estado cognitivo do trabalhador. Como exemplo, a desembargadora citou o caso de um bancário usuário de crack que, para arranjar dinheiro e quitar dívida com traficantes, pediu demissão, mas depois voltou atrás, tendo seu pedido de reintegração negado pelo banco mas confirmado pela corte superior trabalhista. Para o caso dos autos, a relatora também considerou o laudo pericial e o histórico de afastamentos para tratar da dependência química como provas de que o empregado, de fato, estava doente.
Neste sentido, a julgadora optou por anular o pedido de demissão e atender ao pleito de reintegração no serviço, com pagamento dos salários do período entre a data da rescisão e a data em que a reintegração ocorrerá efetivamente. O entendimento foi seguido por unanimidade pelos demais integrantes da 6ª Turma.
Fonte: TRT4
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