O som alto, de repente, cessou. “Seria uma briga?”, perguntava-se o universitário Gabriel Rovadoschi, com 18 anos de idade. Uma fumaça se aproximava misturada a gritos dispersos. O cheiro forte aumentava a suspeita que teria havido alguma intervenção dos seguranças para dissipar a confusão. Nada disso. Ele foi descobrindo aos poucos, passo a passo, que era necessário fugir.
No pub em que estava, não via o palco. Cobriu o nariz e conseguiu encontrar a saída. “Eu coloquei a camiseta na frente da boca e do nariz. Tentei não respirar. Foi como se eu tivesse mergulhando”, recordou em entrevista à Agência Brasil. Era o primeiro final de semana do jovem em uma casa noturna. Havia sido convidado por uma amiga para ir à Boate Kiss, na cidade de Santa Maria (RS), naquele 26 para 27 de janeiro de 2013.
Faz 10 anos que aquela noite, os barulhos, os silêncios, os cheiros e tantas outras lembranças e sentimentos estão presentes. O jovem, nascido em Cachoeira do Sul (RS), foi um dos mais de 600 sobreviventes do incêndio que matou 242 pessoas. “Tive minha juventude arrancada”, diz, sobre os efeitos do trauma.
O hoje psicólogo Gabriel é o presidente da Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria e resolveu se dedicar a unir luto e luta na mesma frase. Inconformado com a anulação do julgamento de quatro réus, chama a situação de impunidade.
Os sócios da boate Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann; o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos; e o auxiliar Luciano Bonilha Leão foram acusados de homicídio pelo Ministério Público do Estado. Foram condenados à prisão, mas, em agosto do ano passado, o julgamento foi anulado e eles ficaram livres.
Para Rovadoschi, não há motivo para esmorecer. Pelo contrário. Busca fazer com que mais vítimas possam falar e trocar sentimentos.
Além de representar famílias em busca de justiça, o rapaz defende também a construção de um memorial às vítimas, mais apoio aos familiares e todas as manifestações possíveis para que tragédias como essa nunca mais aconteçam.
Confira a entrevista com Gabriel Rovadoschi
Agência Brasil – Qual é, hoje, dez anos depois da tragédia, a principal luta dos familiares das vítimas e dos sobreviventes?
Gabriel Rovadoschi – A luta que inaugurou o movimento segue sendo a luta por justiça. Por respostas que já deveriam ter sido dadas há muito tempo. A gente segue lutando contra a impunidade, que está diante de nós. O nosso movimento surgiu ainda em 2013 (ano da tragédia) e contempla diferentes frentes: desde a luta pela justiça, pela memória, pela prevenção a novos acidentes e também pela fiscalização (para evitar outras tragédias).
Agência Brasil – Sobre a impunidade, que você cita, a anulação do julgamento, em agosto, impactou a luta de vocês?
Gabriel Rovadoschi – Sem a justiça sendo feita, a mobilização fica mais difícil para consolidação da memória, fazer, por exemplo, com que a cidade abrace essa história como história de cada um. Essa falta de justiça prejudica as outras frentes. Por isso, se faz tão necessária e incessante essa luta pelas responsabilizações, não somente na esfera criminal desses quatro réus, mas também na nossa petição internacional que está em andamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos que busca outras responsabilizações.
Fonte: Agência Brasil
Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação
PG
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