02/05/24: um terço da chuva esperada para todo o ano cai sobre o Rio Grande do Sul. Os rios elevam-se a níveis sem precedentes em mais de um século e meio. A situação no interior, em especial no Vale do Taquari e na Região Central, já é calamitosa, contabilizando mortos e desaparecidos. Em Porto Alegre, as comportas do Cais Mauá são cerradas para impedir que o Guaíba invada o Centro Histórico, e a Prefeitura decreta estado de calamidade pública. No Judiciário, a Administração do TJRS se reúne para tratar das medidas emergenciais a serem tomadas, e o Presidente da Corte, Desembargador Alberto Delgado Neto, tem atendido o seu pedido enviado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que tribunais do país repassem verbas pecuniárias às vítimas no Rio Grande do Sul.
O cenário descrito marcou o início do acirramento da catástrofe climática histórica que atingiu o estado e que, apesar de ter começado ainda no final do mês de abril, teve o seu período mais dramático em maio, quando as águas tomaram parte da capital e de municípios da região metropolitana, a partir do dia 03/05/24. “Tivemos diversos prédios, mas também famílias do Judiciário fortemente afetadas. Para seguir atendendo a comunidade, mobilizamos todas as nossas equipes, o que nos fortaleceu para enfrentar a calamidade”, lembra o Presidente do TJRS, Desembargador Alberto Delgado Neto.
“Para seguir atendendo a comunidade, mobilizamos todas as nossas equipes, o que nos fortaleceu para enfrentar a calamidade”
Presidente do TJRS, Des. Alberto Delgado Neto
O resultado foi uma grande corrente formada por todos os setores do Judiciário, que envolveu a solidariedade para auxiliar as comunidades atingidas, inclusive os seus colaboradores, e também o empenho para que os serviços prestados à sociedade não fossem interrompidos. A iniciativa do TJRS junto ao CNJ uniu o Judiciário nacional e, através dos repasses de verbas de tribunais de todo o país, foi possível destinar mais de R$ 200 milhões à Defesa Civil, auxiliando 95 municípios. A Corte gaúcha também doou mais de 2,4 mil itens, entre computadores, móveis e condicionadores de ar para órgãos e instituições estaduais, prefeituras municipais e delegacias de polícia para que, depois que as águas começaram a baixar, pudessem retomar as atividades, diante da devastação que varreu diversos locais.
Presidente do TJRS (centro, ao fundo) reunido com representantes de áreas estratégicas para alinhar ações emergenciaisCréditos: Eduardo Nichele – DICOM/TJRS
Foi criada a Direção Extraordinária de Enfrentamento à Calamidade para atuar na coordenação do planejamento, formulação e execução de ações, projetos ou programas voltados para a implantação ou o incremento das infraestruturas afetadas, bem como para o enfrentamento das consequências sociais, econômicas e ambientais decorrentes da catástrofe climática. Ainda, em parceria com o Governo do Estado e instituições, o TJRS firmou, em 10/06/24, termo de cooperação com o objetivo de facilitar o acesso da população atingida pelas enchentes a documentos civis básicos. A ação conjunta estabeleceu a Central Cidadania, que, durante uma semana, promoveu mutirão para a emissão de documentos de forma gratuita, no estacionamento do Shopping Total, na Capital. Foram mais de mais de 10,1 mil serviços prestados a 4,8 mil usuários.
Águas avançam rapidamente
Na capital, as águas avançaram rapidamente pela região central, no dia 03/05, fazendo com que o acesso aos prédios do TJ, Foro Central I e II e do CJUD fosse vedado. A Presidência prorrogou prazos processuais, suspendendo expediente e audiências em todo o Poder Judiciário gaúcho. E novas reuniões foram realizadas para avaliação da situação de emergência. O Departamento de Infraestrutura do TJRS (hoje DIPRED) já vinha monitorando a situação no interior, que ainda se recuperava de estragos e perdas causados por três enchentes do ano anterior.
“Já sabíamos que o primeiro contato com a ponta seria nosso, assim como toda a recuperação e todo o tratamento dos espaços atingidos”, lembra o Diretor Giovani Lino. “No dia 30/04 de manhã, fizemos a primeira reunião do grupo de crise para tratar do interior. Quando saiu o prognóstico projetando que a água chegaria ao nível 5 em Porto Alegre, percebemos que havia a possibilidade de a água atingir o prédio do TJRS, e fomos falar com a Presidência. E, no final do dia, desligamos a sala cofre”, relata o arquiteto.
A sala cofre é o local que abriga o datacenter onde estão instalados todos os equipamentos que sustentam os serviços informatizados do Poder Judiciário do RS, como eproc, SEI, Thema, pastas de rede, etc.
Sem energia elétrica, servidores tiveram que alimentar os geradores manualmente com combustível para garantir o funcionamento do sistema eprocCréditos: Arquivo pessoal
Migração para a nuvem
Com o desligamento da principal sala cofre do Judiciário, as operações foram migradas para a sala secundária, no Foro Cível. No entanto, era questão de tempo para que a situação se agravasse por lá também, uma vez que o Foro está localizado na mesma região. O funcionamento do gerador a diesel foi a saída inicial, mas com limitações de capacidade e resistência. Os outros órgãos de Justiça, sem alternativas, acabaram suspendendo as suas operações. Nesse momento, o TJRS buscou uma saída arrojada: migrar o seu acervo de 10 milhões de processos para o ambiente de nuvem.
“Nessas horas, é preciso ter discernimento, consciência e muita coragem”
Des. Antonio Vinicius Amaro da Silveira, Presidente do CONINT
Esse era um projeto da Administração que estava em fase de testes e a ideia seria avançar ao longo do ano passado e implantá-lo a partir de 2025. Mas a catástrofe climática mudou os rumos do planejado. “E se nós fôssemos logo para a nuvem, já que temos a possibilidade concreta disso acontecer no futuro”, questionou, na época, o Desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira, Presidente do Conselho de Inovação e Tecnologia (CONINT) do TJRS. “Como fazer isso?”, foi a segunda pergunta. A prova de conceito havia sido realizada com a AWS e a conclusão foi de que o eproc operava bem naquele ambiente.
A posição da Administração foi pela antecipação do projeto. Os trabalhos tiveram início em 06/05/24 e, 11 dias depois, no dia 27/05/24, houve a virada de chave do data center para migrar o eproc para a nuvem. “A decisão foi a mais acertada, em que pese tenha sido muito ousada. Mas, nessas horas, é preciso ter discernimento, consciência e muita coragem para tomar essas decisões. É preciso ter uma visão de futuro muito presente. O Presidente, e toda a Administração, tiveram essa visão, e fizemos a operação”, observa o Desembargador Antonio Vinicius.
Presidente Alberto visitou áreas afetadas no Interior do Estado, conferindo de perto o rastro de destruição deixado pela catástrofe climáticaCréditos: Eduardo Nichele – DICOM/TJRS
Mobilização para atender o Interior
Em São Sebastião do Caí, o Gestor do Foro na época, Oficial de Justiça Bruno Gerst, lembra que a população ainda não havia se recuperado da enchente ocorrida no ano anterior, quando a água alcançou cerca de 1,5 metro de altura do prédio do Judiciário. “Quando aconteceu a enchente de maio de 2024, já se sabia que a água ia chegar no Foro. Neste dia, fizemos uma força-tarefa e subimos todos os materiais para o 2º andar. Se via na cidade caminhões carregando os pertences das pessoas para tentar salvar alguma coisa”, lembra o servidor. A água atingiu quase 3 metros de altura, chegando na metade da escada de acesso ao 2º andar. “Foi muito maior, vários servidores, terceirizados e estagiários foram atingidos. Foi bem triste. Muitas pessoas se mudaram, mas muitos tiveram que voltar, por não ter para onde ir”.
A Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ) organizou uma força-tarefa para atendimento das demandas do 1º grau de jurisdição, o coração do Judiciário. O desafio era fazer com que os serviços não fossem interrompidos, mas também se preocupou com o acolhimento. “A Corregedoria imediatamente, já na primeira semana, se organizou e mobilizou para auxiliar os juízes, realizando reuniões on-line com os diretores do foro das comarcas atingidas, oferecendo todo tipo de apoio, seja material, seja emocional. Foram três reuniões, dividindo por regiões, de forma a atender a todos. Entendemos que a proximidade, ainda que virtual, era um imperativo naqueles momentos de incertezas, dúvidas e medo. E ouvimos cada um em suas aflições, dificuldades, procurando auxiliá-los em suas demandas, que, na verdade, eram de todos nós”, ressalta a Corregedora-Geral da Justiça, Desembargadora Fabianne Breton Baisch.
“O Palácio da Justiça foi um farol em meio ao breu. Eu o chamava de Palácio da Resistência”
Corregedora-Geral da Justiça, Desa. Fabianne Breton Baisch
A CGJ criou também um projeto em parceria com o CJUD, ministrado por uma psicóloga especialista no assunto, voltado ao público interno, servidores e Juízes-Corregedores, atuantes na linha de frente, capacitando-os emocional e psicologicamente para esse enfrentamento, preparando-os para cuidar e fortalecer as pessoas. Depois, já mais apropriada da situação, a Corregedoria propôs a criação do Núcleo Enchentes 2024, centralizando as demandas resultantes da catástrofe climática. “O Palácio da Justiça foi um farol em meio ao breu. Eu o chamava de Palácio da Resistência, porque era o único prédio que tinha luz no meio da escuridão, todos os órgãos administrativos do Poder Judiciário sendo lá abrigados. Éramos um exército de acolhimento e ação”, considera a magistrada.
Outra frente de atuação foi a das equipes da Unidade de Cumprimento, Atendimento e Apoio (UNICAA), com a criação do “Plantão Calamidade”, voltado ao atendimento das medidas de urgência no período de suspensão de prazos em função das enchentes para atuar junto às Comarcas que mais precisavam, somando e equalizando as forças de trabalho para o atendimento em todo o Estado. A Coordenadora da UNICAA, Carine Camargo, lembra que os trabalhos foram realizados de forma ininterrupta. “Atendíamos partes, advogados e colegas que estavam muitas vezes desesperados sem saber como proceder para entregar justiça a quem precisou dela. A equipe da coordenação da UNICAA varou madrugadas na organização das equipes e elaboração de material para que tudo funcionasse bem, para que as pessoas fossem bem atendidas e para que a informação chegasse correta a quem vinha se socorrer no plantão”, ressalta a servidora da CGJ.
Além disso, a Corregedoria atuou na implementação de cadastro único de crianças e adolescentes desalojados, por meio da Coordenadoria da Infância e Juventude do TJRS (CIJRS), visando aprimorar, não somente a fiscalização e a segurança dos abrigados, mas também facilitar o reencontro de jovens e crianças com seus familiares que, por ocasião da saída repentina e emergencial de suas casas, estejam separados.
Mutirões do Judiciário realizaram milhares e atendimentos, orientando a população no encaminhamento de demandas da área jurídicaCréditos: Juliano Verardi – DICOM/TJRS
Mutirões de solidariedade
A Justiça Estadual também liderou ações de atendimento aos atingidos pela enchente em todo o Estado, possibilitando que as pessoas recuperassem seus documentos civis perdidos na tragédia e também orientando sobre questões jurídicas em geral. Assim, as equipes voluntárias se distribuíram para atuar nos mutirões “Recomeçar é Preciso” e “Justiça Itinerante Emergencial”, capitaneados pela Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ). Ainda, um dos Foros Regionais da Capital serviu de abrigo para que mulheres e crianças fossem acolhidas com segurança durante a enchente.
“Apesar de poucos, fomos gigantes”
Juiz-Corregedor Felipe Lumertz
Um dos poucos da equipe que conseguia chegar até o Palácio da Justiça, localizado no Centro Histórico da Capital, o Juiz-Corregedor Felipe Só dos Santos Lumertz, coordenador da matéria extrajudicial na CGJ, esteve à frente do “Recomeçar é Preciso” durante o período da enchente. Ele transformou seu gabinete em um verdadeiro QG: diariamente, ia até o local, onde imprimia os formulários improvisados para realizar a solicitação das segundas vias dos documentos, e seguia, ele próprio, com seu carro, fazendo a distribuição a magistrados e servidores voluntários para que prestassem os atendimentos nos abrigos. Ele se emociona ao lembrar daqueles dias e exaltou a dedicação da equipe. “Era mais ou menos como os 300 lutando contra o exército persa. Apesar de poucos, fomos gigantes”, comparou.
População atingida recuperou documentação através de mutirões liderados pelo Judiciário, entre eles, o Central Cidadania, realizado no Shopping Total, na CapitalCréditos: Márcio Daudt – DICOM/TJRS
Já o Juiz-Corregedor Alejandro Rayo Werlang coordenou o mutirão Justiça Itinerante Emergencial, voltado ao atendimento da população na área jurídica, e acompanhou de perto os trabalhos. “Durante o período das enchentes, enfrentamos um desafio significativo quando o próprio ônibus da Justiça Itinerante foi atingido pelas águas, tornando-se inoperante. Diante dessa adversidade, precisávamos encontrar uma solução alternativa para continuar prestando serviços essenciais à população afetada”, relata o magistrado. “A estratégia que adotamos foi mobilizar equipes para atender diretamente nos locais onde a população atingida estava concentrada. Atendemos em abrigos temporários em diferentes bairros e municípios; em locais estratégicos, como o Shopping Praia de Belas e na Arena do Grêmio; e em ginásios adaptados como abrigos”.
“Precisávamos encontrar uma solução alternativa para continuar prestando serviços essenciais”
Juiz-Corregedor Alejandro Rayo Werlang
A Assessora da CGJ, Rozicler Portela da Silva Nothen, já é experiente em situações de emergência. Além da pandemia de COVID-19, também participou da força-tarefa da CGJ montada para atender a população do Vale do Taquari, na enchente de 2023. Ela conta que, diante da proporção da catástrofe climática de 2024, que atingiu os sistemas do TJ e suspendeu o expediente presencial, a saída foi a criação de um grupo de WhatsApp, que logo cresceu e ganhou inúmeros voluntários. Nos abrigos temporários, com os atendimentos e as demandas que chegavam envolvendo diferentes situações e áreas, houve um momento em que as duas ações da CGJ se uniram. “Vivenciamos um novo olhar sobre o servir. Foi uma reinvenção de como servir naquele cenário, de como estar mais próximo das pessoas que a gente serve”, conclui a servidora.
Equipes atuaramm para recuperar os locais do Judiciário gaúcho atingidos pela enchente, entre eles, os prédios sede e anexo do TJRSCréditos: Juliano Verardi – DICOM/TJRS
Retorno
Ao todo, 20 prédios do Judiciário foram afetados pela enchente, com prejuízo estimado em R$ 20 milhões. Baixadas as águas, a etapa seguinte foi a de rescaldos e recuperação dos locais atingidos. Lama e destruição em ruas e estradas deixaram municípios isolados, dificultando o acesso das equipes técnicas. De acordo com o Diretor Giovani Lino, o processo de limpeza e recuperação dos espaços começou em meados de maio. Alguns Foros começaram a ser liberados para acesso nos meses de junho, julho e agosto.
A limpeza no TJRS começou em junho, sendo o acesso liberado ao público interno em 20/08/24 e ao externo, em 02/09/24. Em setembro, alguns dos prédios mais afetados – como os Foros de Igrejinha, Feliz, São Sebastião do Caí, Estrela – foram recuperados. “Viramos o ano 100% restabelecidos”, frisa o arquiteto.
Fonte: Imprensa – TJRS
Créditos: Juliano Verardi – DICOM/TJRS
Sesc Música recebe Pedro Borghetti com composições autorais e ritmos latino-americanos em Bento
Cooperativa Vinícola Aurora participa da Wine South America com lançamento exclusivo
Tacchini recebe imagem de Santo Antônio