A 1ª Vara Federal de Bento Gonçalves (RS) condenou a Caixa Econômica Federal (CEF) e o Município daquela localidade pelo não-cumprimento do contrato do convênio que visava às obras de melhorias do Parque Esportivo Montanha dos Vinhedos. Na sentença, proferida em 16/11, juiz federal Frederico Valdez Pereira determinou a rescisão do contrato e condenou os réus a restituírem à União todos os valores repassados, devidamente corrigidos.
As obras já haviam sido suspendidas liminarmente em junho de 2016, após o Ministério Público Federal (MPF) ajuizar a ação civil pública contra a Caixa e o Município de Bento Gonçalves. Na época, o juiz também havia proibido a CEF de efetuar pagamentos do contrato, determinações que foram revertidas pelo TRF4.
O MPF narrou na inicial que, em dezembro de 2012, o Ministério do Esporte firmou, com o Município de Bento Gonçalves, o contrato de repasse de verbas com o suposto objetivo de implantar melhorias no Centro de Treinamento de Seleções (CTS) para a Copa do Mundo de 2014. O valor inicial de R$ 800 mil foi aditado, alcançando a soma de R$ 1.983.518,78.
O autor afirmou que diversas exigências contratuais não teriam sido cumpridas pelo ente municipal. Entre elas, duas condições suspensivas (que bloqueia o contrato se não for atendida), uma de titularidade da área, que pertence à agremiação esportiva local e, a outra, de licença ambiental. Além disso, o MPF salientou que a Copa do Mundo terminou em 2014 e a cidade não foi escolhida como subsede.
O município demandado contestou, alegando a regularidade do título de domínio da área. Já a Caixa defendeu que haveria prorrogação do prazo para a execução do contrato até outubro de 2016, e que a documentação necessária à execução do contrato teria sido apresentada, com isenção do licenciamento ambiental.
Ambos réus alegaram que a execução ou suspensão do contrato não estariam vinculadas à Copa do Mundo de 2014 nem à escolha do município como subsede. Além disso, defenderam que a modernização do Estádio Montanha dos Vinhedos teria impacto positivo para a população e na economia local.
A União também foi citada e contestou a ação. Argumentou não ser responsável por nenhum ato executivo das obras, tendo apenas celebrado convênio com os demais réus e ficando responsável pela aceitação ou não da prestação de contas.
A Fundação Clube Esportivo Bento Gonçalves (Fundesp), proprietária do imóvel objeto do contrato, requereu o ingresso na ação, na condição de interessado. A agremiação defendeu a manutenção do contrato, referindo que o repasse não tinha apenas o objetivo de aparelhar o parque esportivo, mas que o investimento restaria como legado da Copa para a população.
Irregularidades no contrato
Após analisar os autos, o juiz federal Frederico Valdez Pereira pontuou que as condições suspensivas já deveriam estar resolvidas na ocasião da celebração do contrato de repasse. Segundo ele, não se poderia nem cogitar a possibilidade de comprovação posterior do seu cumprimento, inclusive o Manual de Procedimentos da Caixa proíbe expressamente esta prática. “Ainda que haja um prazo considerável para o atendimento da cláusula suspensiva, não há dúvida de que o contrato não deveria ser executado enquanto não se verificasse o seu cumprimento”, comentou o magistrado.
Pereira entendeu que, à época da contratação, o Município não tinha qualquer espécie de poder sobre o imóvel onde se executariam as melhorias. A cessão do direito de superfície apresentada, a qual foi elaborada na forma de instrumento particular, só veio a ser registrada na matrícula do imóvel em abril de 2016, quando o contrato já estava em plena execução, em razão de vários defeitos constatados na documentação.
Já com relação à licença ambiental, o juiz notou que a Licença Prévia foi emitida em fevereiro de 2015 (momento posterior à contratação e à aprovação do projeto pela CEF). Além disso, nunca houve a emissão de Licença de Instalação e Operação.
O magistrado ainda apontou que as irregularidades não se restringiriam ao cumprimento das exigências, pois a documentação revelou que o estádio – destinatário das melhorias subsidiadas pela União – nunca foi averbado na matrícula dos imóveis. Ele reparou também que a cessão entabulada entre Município e Fundação não conferiria ao ente público os plenos poderes de uso do imóvel. Ao contrário, o ajuste aparentemente concederia um direito de superfície apenas para que o Município promovesse as melhorias estruturais, enquanto o uso efetivo dependeria de o imóvel estar livre.
“As referidas instalações continuam sendo de exclusiva propriedade e utilização pela entidade privada com a natureza de clube de futebol; a aludida cessão de direito de superfície não transfere nenhum direito real ao Município, e a simples utilização da área, possível apenas uma vez ao mês, depende sempre da prévia anuência da entidade privada”, afirmou Pereira.
“Como se observa, a contratação foi permeada de falhas, seja na formalização, seja na execução”, comentou o juiz, acrescentando que, mesmo diante das informações contraditórias, a CEF autorizou a execução das obras e repassou os valores contratados. Ele considerou que o município de Bento Gonçalves figurou, na prática, como “mero intermediário para o repasse das verbas, viabilizando a entrega de valores públicos para a reforma das instalações físicas utilizadas pelo Clube Esportivo Bento Gonçalves”.
Quanto à suposta vinculação da Copa do Mundo 2014 ao objeto do contrato, o juiz entendeu que não constaria nem mesmo das orientações acerca do programa governamental. Para ele, ficou claro que o programa governamental tinha como justificativa a realização do evento, mas o objetivo era incentivar a disponibilização de estruturas adequadas à prática desportiva, fomentando o esporte local e mesmo a realização de outros eventos do gênero.
O magistrado julgou que as provas trazidas ao processo demonstrariam que a execução do contrato nunca deveria ter sido iniciada, visto que parte das irregularidades persistem até os dias atuais. “De modo temerário, os concedentes anuíram com documentação falha e liberaram os recursos públicos (…) para a reforma do equipamento esportivo do Clube Esportivo Bento Gonçalves”, afirmou.
Pereira determinou a rescisão do contrato e condenou o Município de Bento Gonçalves e a Caixa Econômica Federal a restituírem aos cofres da União todos os valores repassados, atualizados. A forma como será feita esta devolução será definida na fase de cumprimento de sentença.
Sendo a sentença contrária ao ente público, está sujeita a reexame necessário, que ocorrerá no TRF4.
Fonte: Justiça Federal do Rio Grande do Sul
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