Tarso diz que recebeu o Central, em 2011, com 5.300 presos.

Juízes apresentam dados que apontam para colapso do sistema prisional e divulgam carta

Na década de 1990, a população carcerária do RS era de 11 mil presos. Hoje, supera 35,3 mil detentos, entre homens e mulheres. O aumento real médio, entre 2013 e 2016, por ano, é de 6,8% de pessoas presas. Se mantida essa tendência, o Estado terá, em 2027, uma população carcerária próxima de 60 mil presos e, em 2037, de 90 mil.

Os números que impressionam e evidenciam o colapso do sistema prisional gaúcho foram tema de encontro que reuniu Juízes das Varas de Execuções Criminais (VECs) em Comarcas com presídios. O evento, realizado no auditório Desembargador Osvaldo Stefanello, no Palácio da Justiça, também analisou os esforços que o Poder Judiciário vem realizando para tentar reverter essa situação.

Ao final do evento, os magistrados divulgaram uma carta (confira abaixo), em que expressam sua preocupação com a atual e futura situação prisional do Estado e pedem a adoção de medidas efetivas.

Desafio

B
B

Na abertura da reunião, a Corregedora-Geral da Justiça, Desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira, falou do desafio do tema. Trata-se de uma matéria delicada, que exige cada vez mais dos magistrados, em especial, dos que estão na linha de frente. É um tema que nos tira a paz e merece uma reflexão, afirmou a Corregedora. O mais importante é ouvirmos vocês e recebermos suas colaborações de valor inestimável, acrescentou a magistrada aos Juízes das VECs.

Em seguida, o Juiz-Corregedor Alexandre de Souza Costa Pacheco e o Juiz Assessor da Presidência do TJ Márcio André Kepler Fraga coordenaram o painel que apresentou dados sobre a situação penitenciária do Estado e abriram espaço para debates.

O Presidente do TJ, Desembargador Luiz Felipe Silveira Difini, em sua manifestação de encerramento do Encontro, salientou que a Carta dos Juízes da Execução Criminal reforça as maiores aflições daqueles que atuam na área. Se for mantida a atual tendência em termos prisionais, podemos dizer que a população carcerária deverá duplicar em até 10 anos e não percebemos nenhuma iniciativa por intermédio do Executivo no sentido de criar alternativas para amenizar esta situação.

Conforme o Chefe do Judiciário Gaúcho, desde o começo do atual Governo ingressaram mais de 5 mil novos presos e nenhuma vaga foi criada, nem mesmo no Presídio de Canoas, que há tempos estamos insistindo com frequência na necessidade de conclusão da obra e até agora não temos nada concreto.

Contribuição do Judiciário

O Poder Judiciário gaúcho vem empreendendo esforços para amenizar a crise prisional. Somente em 2014 e 2015 foram destinados pelos magistrados da execução penal quase R$ 9 milhões, provenientes das penas pecuniárias, a entidades vinculadas à segurança pública.

Ainda, convênio firmado entre Tribunal de Justiça e Governo do Estado, destinou R$ 5 milhões para reforma do Instituto Psiquiátrico Forense, também proveniente das penas pecuniárias. Também estão em andamento projetos que visam à criação de cinco Varas Regionais de Execução Penal e à implantação do sistema de videoconferência.

Números alarmantes

Os magistrados apresentaram dados que impressionam pela insuficiência de vagas no sistema prisional e a inexistência de política eficaz que contenha o crescimento da criminalidade:

O RS tem quase 7 mil presos em prisão domiciliar por carência de vagas nos regimes aberto e semiaberto. Apenas 1,7 mil são monitorados eletronicamente

Mantidas as projeções, seria necessário disponibilizar no mínimo 2,5 mil vagas por ano, ao custo projetado e aproximado de R$ 60 mil, cada uma, o que representaria um investimento anual de R$ 150 milhões.

Existem 12.300 mandados de prisão pendentes de cumprimento no RS

70% dos indivíduos que ingressam no sistema prisional possuem, no mínimo, uma passagem anterior em algum presídio

32 presídios do Estado apresentam taxa de ocupação superior a 200% de sua capacidade

CARTA DOS JUÍZES DA EXECUÇÃO CRIMINAL

Os magistrados da execução criminal do Estado do Rio Grande do Sul, reunidos em 14 de março de 2017 em Porto Alegre, com a finalidade de discutir a crescente taxa de encarceramento, a insuficiência de vagas em presídios e a ineficácia da pena de prisão, externam sua preocupação com a grave crise que assola o sistema prisional gaúcho, em especial por afetar diretamente a segurança pública e a vida em sociedade.

Os presídios do Estado, em maioria, estão superlotados, com taxas de ocupação de presos muito acima da capacidade de engenharia. Os efeitos da superlotação, somados à ineficiência do Estado, implicam não somente a violação de direitos da pessoa privada da liberdade, mas também o fortalecimento das facções e o aumento da criminalidade e da violência.

No Rio Grande do Sul, quase 7.000 presos encontram-se em prisão domiciliar por carência de vagas nos regimes semiaberto e aberto. Destes, 2.900 estão monitorados eletronicamente. Como se não bastasse, na Região Metropolitana de Porto Alegre, detentos têm permanecido irregularmente em carceragens de delegacias de polícia, em viaturas oficiais e até mesmo algemados em lixeiras e corrimãos de escadas, situação inaceitável.

Além disso, a população prisional gaúcha, que em meados da década de 90 era de 11.000 presos, hoje supera 35.300 presos entre homens e mulheres. Existe um déficit superior a 11.000 vagas.

Considerados os últimos 04 anos (2013-2016), constata-se um aumento real médio, por ano, de 6,8% de pessoas presas. Se mantida essa tendência, o Estado terá, em 2027, uma população carcerária próxima de 60.000 presos e, em 2037, de 90.000 presos.

Para absorver essa demanda, haveria a necessidade de disponibilizar no mínimo 2.500 vagas por ano, ao custo projetado e aproximado de R$ 60.000,00 cada uma, segundo valores informados pela SUSEPE, o que representaria um investimento anual de R$ 150.000.000,00, sem considerar o custo com manutenção dos estabelecimentos e a nomeação de novos servidores, o que parece inimaginável frente à crise financeira do Estado, que sequer logrou concluir, em dois anos, 5% faltantes da obra do Complexo Prisional de Canoas, com capacidade para 2.808 presos.
Não se ignora, também, a existência de aproximadamente 12.300 mandados de prisão pendentes de cumprimento, os quais, se cumpridos fossem, esbarrariam na falta de vagas no sistema prisional.

A propósito, nota-se que o elevado número de prisões não tem exercido qualquer freio à criminalidade. Ao contrário, tem servido apenas para fortalecer grupos criminosos, que ocupam os espaços relegados pelo Estado e exercem o controle de fato dos estabelecimentos, de lá comandando a prática dos mais variados crimes. Não por acaso, 70% dos indivíduos que ingressam no sistema prisional possuem, no mínimo, uma passagem anterior em algum presídio. Em outras palavras, o sistema se retroalimenta a partir de suas próprias deficiências.

O cenário, portanto, é crítico, inspira cautela e impõe a adoção de medidas urgentes e eficazes pelo Poder Executivo, responsável pela gestão do sistema prisional, para coibir a reprodução de rebeliões, como as recentemente ocorridas nos Estados de Roraima, Amazonas e Rio Grande do Norte.

No Rio Grande do Sul, desde dezembro de 2016, eclodiram rebeliões nos Presídios de Getúlio Vargas, Bagé, Três Passos, Carazinho, Sarandi, Uruguaiana e São Borja, das quais resultaram mortes, feridos e danos ao patrimônio público.

Advertimos, com base nas informações do mapa carcerário divulgado pela SUSEPE, que 30 presídios do Estado, de regime fechado, apresentam taxa de ocupação superior a 200% de sua capacidade de engenharia.

A persistir a inércia do Estado, corre-se o risco de outras rebeliões, talvez com resultados ainda mais graves e violentos e que ultrapassem, inclusive, os muros do sistema prisional, atingindo diretamente a população.

Alertamos que a construção de novos estabelecimentos prisionais, isoladamente, não basta. É preciso muito mais do que isso. Torna-se imprescindível assegurar condições mínimas e dignas para o cumprimento da pena privativa de liberdade, mediante oferta de trabalho e estudo e assistência à saúde. Do contrário, os presídios somente produzirão mais violência em prejuízo da almejada paz social.

Reconhecemos que o Tribunal de Justiça, na esfera de sua competência, tem empreendido esforços para amenizar a crise instalada no sistema prisional. Nesse sentido, destacamos a importância dos projetos que visam à criação de cinco Varas Regionais de Execução Penal e à implantação do sistema de videoaudiência, inclusive em estabelecimentos prisionais, bem como das políticas voltadas à realização de mutirões para agilização dos processos de execução criminal e à destinação de recursos oriundos das penas pecuniárias para projetos de relevo ao Estado, como a reforma do Instituto Psiquiátrico Forense no valor aproximado de R$ 5.000.000,00.

Informamos que, somente nos anos de 2014 e 2015, foram destinados pelos magistrados da execução penal quase R$ 9.000.000,00, provenientes das penas pecuniárias, a entidades vinculadas à segurança pública, especialmente para manutenção e ampliação de presídios e reaparelhamento das polícias.

Enfim, instamos o Poder Executivo a apresentar um plano de ação eficaz e reafirmamos nosso compromisso com a preservação da ordem pública, com o respeito aos direitos e deveres da pessoa privada da liberdade e com o cumprimento da Lei de Execução Penal e da Constituição Federal.

Porto Alegre, 14 de março de 2017.

 

Fonte: TJ-RS

error: Conteúdo Protegido