Uma colaboração entre o Instituto Federal do Sertão Pernambucano (IFSertãoPE), a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a Embrapa resultou em uma pesquisa que descobriu que o suco de uva integral, elaborado a partir de variedades híbridas criadas pela Embrapa, é extremamente rico de compostos fenólicos bioacessíveis. Essas substâncias, que têm a capacidade de serem absorvidas pelo organismo após a digestão, são conhecidas também como fitoquímicos ou nutracêuticos. A pesquisa identificou e quantificou 24 desses compostos , dos quais 11 se revelaram bioacessíveis. Essa descoberta foi feita seguindo o protocolo InfoGest, que simula a passagem desses compostos pela barreira intestinal, proporcionando uma visão mais precisa de como esses nutrientes interagem com o nosso organismo.
O suco da uva BRS Carmem se destacou por apresentar o maior teor de fenólicos bioacessíveis, indicando que fatores como a variedade da fruta devem ser mais explorados em estudos sobre alimentos funcionais. De acordo com os pesquisadores, os resultados apontaram que cada variedade de uva avaliada é uma matriz complexa e única.
Os compostos fenólicos mais bioacessíveis foram a catequina, a procianidina B2 e o ácido gálico, todos com bioacessibilidade superior a 100%. A pesquisa também sugere que a bioacessibilidade desses fitoquímicos está relacionada à variedade da uva e aos teores de açúcares e ácidos orgânicos da matriz, evidenciando que fatores como a escolha da variedade e grau de maturação da uva devem ser considerados pela indústria processadora de sucos.
Maria da Conceição Dutra, aluna de doutorado do Programa de Pós-graduação em Ciência dos Alimentos da UFBA, afirma que os sucos de uva integrais produzidos a partir das variedades avaliadas (BRS Carmem, BRS Magna, BRS Violeta e BRS Cora) podem ser caracterizados como bebidas funcionais com apreciável teor de fitoquímicos bioacessíveis, principalmente da classe dos flavanóis.
Os sucos de uva são matrizes alimentares ricas em compostos fenólicos associados a benefícios à saúde. Os pesquisadores frisam que, recentemente, a literatura científica tem relatado efeitos benéficos dos polifenóis no sistema imunológico contra infecções por SARS-CoV-2, além de prevenir o risco de doenças cardíacas, diabetes mellitus tipo 2, diferentes tipos de câncer, obesidade, modulação da microbiota intestinal, Alzheimer, Parkinson e outras doenças neurodegenerativas.
A pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente Aline Biasoto esclarece que, para que os compostos fenólicos exerçam sua atividade bioativa e benéfica ao organismo humano, eles devem ser bioacessíveis. “A bioacessibilidade foi avaliada por modelos de digestão gastrointestinal in vitro. Após simular a passagem do suco integral pelas etapas da boca, estômago e intestino, a aplicação de membranas de diálise pode simular a mobilidade desses compostos pela barreira intestinal. A composição química da matriz do suco de uva difere da dos vinhos devido aos altos teores de açúcares, perfil de ácidos orgânicos e ausência de etanol, e esses fatores podem influenciar a bioacessibilidade dos compostos fenólicos”, explica.
Marcos dos Santos Lima, professor do IFSertãoPE, destaca que o Vale do Submédio São Francisco é hoje uma importante região produtora de sucos que tem investido na elaboração de sucos de uva de alta qualidade produzidos com variedades híbridas adaptadas ao clima tropical semiárido, como as quatro testadas. Atualmente, estima-se que sejam envasados 35 milhões de litros de sucos, entre integrais e concentrados.
O estudoAs uvas foram colhidas em abril de 2021 e cedidas por empresas localizadas em Petrolina (PE) e Casa Nova (BA). As variedades BRS Magna e BRS Carmem vieram da Fazenda Timbaúba, da empresa Queiroz Galvão Alimentos; as variedades BRS Violeta e BRS Cora, da Asa Indústria e Comércio, e a variedade Isabel Precoce, da empresa Grand Valle Industrial. Foram analisados parâmetros clássicos de qualidade de sucos de uva, seguindo as metodologias descritas pela Organização Internacional da Uva e do Vinho (OIV). Nos sucos BRS Cora, BRS Magna e BRS Carmem, o principal flavanol quantificado foi a procianidina B2. No suco da variedade BRS Violeta, destacaram-se os flavanóis galato epigalocatequina e catequina. Em todos os sucos, isoquercetina, rutina e ácido siringico também foram bioacessíveis após a digestão, em porcentagens razoáveis. O trans-resveratrol, composto com muitos efeitos benéficos relatados na literatura, esteve presente como bioacessível em todas as etapas do processo digestivo para os sucos das uvas BRS Cora e BRS Carmem, com bioacessibilidade de 85,99% e 35,30%, respectivamente. No entanto, a bioacessibilidade desse fitoquímico parece ser influenciada pela variedade, pois nos sucos das uvas BRS Violeta e BRS Magna, esse composto não foi detectado como bioacessível. |
Aprimoramento
As variedades de suco da Embrapa estudadas foram desenvolvidas pelo Programa de Melhoramento Genético Uvas do Brasil, coordenado pela Embrapa Uva e Vinho (RS). O objetivo é viabilizar a produção de suco de uva, tanto nos polos tradicionais, como no Sul do País e nas novas fronteiras: as regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste.
“Desde 1985, o programa tem uma linha de pesquisa dedicada a aprimorar a qualidade e oferecer maior competitividade ao suco de uva nacional. Desenvolvemos variedades adaptadas e isso faz a diferença no produto”, declara a pesquisadora Patrícia Ritschel, uma das coordenadoras do programa.
Algumas décadas atrás, os sucos eram feitos de uvas da cultivar Isabel. Novas variedades possibilitaram aprimorar a qualidade dos sucos, cor, sabor e a quantidade de fenólicos. As novas variedades também apresentam características importantes, como maior resistência a doenças, facilitando a produção e resultando em um produto mais sustentável.
Adeliano Cargnin, chefe-geral da Embrapa Uva e Vinho, ressalta que o programa de melhoramento nasceu praticamente com o Centro de Pesquisa do tema, sediado em Bento Gonçalves (RS), e foi fundamental no desenvolvimento dessa cadeia produtiva. “São mais de 40 anos desenvolvendo e disponibilizando alternativas aos produtores. Além da genética, trabalhamos com mudas, orientações para o manejo e elaboração de suco de qualidade”, completa o gestor.
Influência da diversidade
A pesquisadora Patrícia Leão, da Embrapa Semiárido (PE), destaca que o suco de uva brasileiro é um blend (mistura) de diferentes variedades, escolhidas pelos produtores com base em suas características e objetivos. O local de produção, como o Vale do Submédio São Francisco com o seu clima tropical semiárido, também influencia a qualidade do suco.
A pesquisa sublinha também a importância da variedade da uva e das condições de cultivo para produzir sucos de alta qualidade, contribuindo para a saúde e o bem-estar dos consumidores, especialmente em um momento de crescente demanda por alimentos saudáveis e funcionais.
“Nossas condições são de clima tropical e semiárido, com temperaturas e radiação mais elevadas durante todo o ano, sem alternância de clima que caracteriza as estações do ano do sul do País. Essas temperaturas elevadas e a radiação permanecem mais estáveis ao longo do ano, e esses fatores são determinantes na qualidade da uva e dos sucos,” complementa.
O artigo completo pode ser acessado aqui. Ele é assinado por Maria da Conceição Prudêncio Dutra, Ana Beatriz Martins da Silva, Ederlan de Souza Ferreira, Ana Julia de Brito Araujo Carvalho, Marcos dos Santos Lima, Aline Biasoto.
Fonte e foto: Embrapa Uva e Vinho
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