Psicopatia não é uma doença mental, mas o resultado de adaptação da espécie humana

Os psicopatas despertam interesse desde sempre. Alguns famosos na vida real e na ficção incluem o assassino em série americano Ted Bundy, o maníaco do parque brasileiro Francisco de Assis Pereira, e o personagem de ficção Hannibal Lecter, interpretado por Anthony Hopkins. Mas há muito mais nuances nesse tipo de perfil de pessoas do que se possa imaginar.

Embora todos os citados acima sejam assassinos em série, o inverso não ocorre necessariamente: nem todo psicopata é um assassino. Estudos mostram, por exemplo, que existe uma alta taxa de psicopatas entre executivos de grandes empresas, para se ter uma ideia.

Na medicina, uma pessoa é considerada psicopata quando apresenta alguns traços comportamentais, como manipulação, insensibilidade, agressividade, ausência de empatia e remorso, falta de emoção e narcisismo. O desejo de matar é a manifestação extrema desse perfil.

As causas desse comportamento, que sempre foram nebulosas, começam a ganhar corpo. Pesquisadores canadenses classificaram a psicopatia não como uma doença mental e sim como uma estratégia de adaptação de vida, promovida pela seleção natural ao longo da evolução humana.

Eles chegaram a essa conclusão após realizar uma revisão de 16 estudos já publicados sobre o assunto, que incluíram 2 mil indivíduos. De acordo com o estudo, publicado na revista Evolutionary Psychology, embora a origem dos transtornos mentais não seja totalmente compreendida, perturbações que afetam o neurodesenvolvimento podem contribuir para isso. Sendo assim, para a psicopatia ser considerada uma doença mental, deveria haver uma maior prevalência de alterações do neurodesenvolvimento em psicopatas, em comparação com a população em geral.

Entretanto, os resultados mostraram que não há maior prevalência desse tipo de problema entre pessoas com comportamento psicopata. Isso, segundo os pesquisadores, sugere que a psicopatia não é uma doença mental e sim uma característica pessoal, fruto da seleção natural da espécie.

Eles argumentam que os mesmos atributos que tornam os psicopatas pessoas desprezíveis pela sociedade atual, como falta de remorso, agressividade e desrespeito pelo bem-estar dos outros, podem ter sido motivo de vantagem, em um mundo onde a competição por recursos era intensa.

O psiquiatra Sérgio Rachman concorda com essa teoria. Ele explica que não há um consenso de que a psicopatia seja uma doença.

“Eu sou bastante crítico de que a psicopatia seja uma doença. Eu acho que ela está muito mais para um padrão de comportamento, que em determinados momentos possa ter trazido vantagens evolutivas para as pessoas, mas hoje, é reprovado pela sociedade. Acho que essa é uma hipótese plausível”, afirma Rachman.

Para ele, há uma questão potencialmente mais grave ao considerar a psicopatia uma doença. Pessoas mentalmente doentes podem ser consideradas incapazes de responder por seus atos e, muitas vezes, não são penalizadas quando cometem crimes. Embora a maioria das pessoas com traços de psicopatia não se tornará um assassino ou um criminoso, há uma maior quantidade de psicopatas entre assassinos. Afirmar que essas pessoas têm uma doença mental poderia abrir caminho para que elas não fossem responsabilizadas por seus crimes.

“Isso geraria um problema muito sério porque justamente as pessoas mais perigosas não poderiam ser penalizadas e essa é outra razão pela qual eu sou contra a classificação da psicopatia como uma doença mental”, explica o médico.

A psicopatia, e suas causas, é uma questão discutida há séculos. O neuropsicólogo Antonio de Pádua Serafim, coordenador do Núcleo de Psiquiatria e Psicologia Forense do Instituto de Psiquiatria da USP, explica que foram identificadas alterações neurológicas em psicopatas, mas não se pode associar isso à causa do problema. Há estudos que mostram atividade reduzida em psicopatas nas áreas que desempenham papéis na regulação de emoções, impulsos, moralidade e agressão.

A amígdala, por exemplo, é uma estrutura cerebral altamente implicada na manifestação de reações emocionais e na memória emocional. Em situações de medo, essa região é ativada na população em geral. É essa ativação que faz o batimento cardíaco subir nessas ocasiões, por exemplo. Entretanto, muitos indivíduos com transtorno antissocial e psicopatia elevada não apresentam ativação da amígdala nem aumento dos batimentos cardíacos em situações de medo.

“Agora, a resposta que eu não tenho é se isso vem antes ou depois. Ele tem isso porque é psicopata ou é psicopata porque tem isso? Descobrir esses processos psicobiológicos da psicopatia merece um Prêmio Nobel”, diz Serafim.

Genética e ambiente

A personalidade é a maneira como uma pessoa pensa, sente e se comportam. Ela é influenciada experiências, pelo ambiente e pela genética. Os transtornos de personalidade ocorrem quando um padrão de comportamento de longo prazo se desvia das expectativas da cultura, causa angústia ou problemas de funcionamento do indivíduo.

A explicação mais aceita atualmente para explicar porque algumas pessoas se tornam psicopatas parece envolver genética e ambiente. Ou seja, isso poderia acontecer tanto devido à presença de genes que favorecem a expressão dessas características mais frias quanto devido ao ambiente e à forma como o indivíduo foi criado.

Isso geraria “dois tipos” de psicopatas, segundo Serafim. O psicopata primário teria maior influência genética e seria mais frio em suas ações. Em geral, são pessoas que têm um comportamento mais agressivo, impulsivo e maior probabilidade de se tornarem criminosos em série.

Já o psicopata secundário teria sido mais influenciado pelo ambiente. Por uma exposição à violência na infância, por exemplo, ou a famílias negligentes. Essas pessoas também têm características psicopatas e podem cometer crimes, mas com menos probabilidade de envolver violência.

Fonte: O Sul
Foto: Reprodução O Sul
(RM)
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