Em meio à possibilidade de uma nova crise hídrica, poucas chuvas previstas e à pandemia do novo coronavírus, o Brasil tem perdas de água potável que dariam para abastecer 63 milhões de pessoas em um ano. De acordo com estudo recém-divulgado do Instituto Trata Brasil, em 2019, 39,2% da água captada não chegou às residências do país, o que representa um volume equivalente a 7,5 mil piscinas olímpicas de água tratada desperdiçada diariamente ou sete vezes o volume do sistema Cantareira, o maior reservatório de São Paulo.
Do total, 60% são perdas físicas, como vazamentos e problemas na rede de tubulação e ramais. Segundo o levantamento, o volume seria suficiente para levar água aos quase 35 milhões de brasileiros que até hoje não possuem acesso ao recurso ou abastecer mais de 13 milhões de moradores de favelas por quase três anos.
“As perdas são comuns no Brasil. Nos últimos 5 anos, a média foi de 36,7% e a expectativa era de redução paulatina do índice, mas, em 2019, chegou a 39,2%, o que indica uma tendência de aumento”, afirma Pedro Scazufca, pesquisador do estudo de perdas de água do Instituto Trata Brasil.
Em parceria com a Asfamas (Associação Brasileira dos Fabricantes de Materiais para Saneamento) e elaboração da consultoria GO Associados, o Trata Brasil divulgou o estudo “Perdas de Água Potável 2021: Desafios para a disponibilidade hídrica e ao avanço da eficiência do saneamento básico”. O levantamento usa dados públicos do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento) 2019 das 27 unidades da federação.
“A grande questão é a sustentabilidade. Água é um recurso finito e vai ter que se investir em redução de perdas porque, no futuro, não vai ter mais de onde tirar água. Órgãos licenciadores estão cada vez mais rígidos nas outorgas de captação. As mudanças climáticas estão exigindo isso e não tem mais como fugir”, assegura Luana Siewert Pretto, diretora de relações institucionais e governamentais da Asfamas.
As empresas investem cada dia mais na ampliação da captação de água, vão buscar o recurso natural em regiões distantes, com grandes obras de engenharia. Mas as concessionárias poderiam até reduzir a necessidade de captação se investissem mais dinheiro na redução de perdas.
Por causa das perdas, sejam físicas ou comerciais (os conhecidos gatos de energia), as concessionárias públicas e privadas precisam retirar mais água dos mananciais. Em tempos de escassez de chuvas e reservatórios secos, o problema se agrava, com forte impacto ambiental.
No fim de maio, o governo emitiu um alerta de emergência hídrica entre junho e setembro em cinco estados: Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná. A situação foi classificada como “severa” e a previsão é de pouco volume de chuvas. Foi o primeiro alerta em 111 anos de serviços meteorológicos.
De acordo com o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), a baixa precipitação põe em risco os reservatórios de água para abastecimento e geração de energia elétrica. O órgão decidiu então reduzir a vazão de água nas barragens das hidrelétricas de Jupiá, entre as cidades de Andradina e Castilho (SP) e Três Lagoas (MS), e Porto Primavera, na divisa de Rosana (SP) e Batayporã (MS).
Em nota, o ONS informou que “todas as medidas serão tomadas a partir de junho com o objetivo de garantir a devida governabilidade das cascatas hidráulicas, inclusive quanto à preservação do uso da água, ao longo do período seco de 2021”.
Existem dois tipos de perdas: as físicas e as comerciais. Vazamentos e problemas na tubulação, muitas vezes antiga, representam 60% da água potável desperdiçada. O restante se deve aos furtos, fraudes e desvios de água, como ocorre em ocupações irregulares, por exemplo. Muitas vezes há também problemas no hidrômetro, o aparelho que fica nas residências.
Para o pesquisador Pedro Scazufca, o desafio é grande, mas é possível prevenir o desperdício de água. “Exige gestão adequada da distribuição na rede de abastecimento, gastos com reposição de tubulação, detecção inteligente de vazamentos, com uso de tecnologia mais inovadora e setorização. Isso envolve custo. Existem técnicas que possibilitam o diagnóstico em toda a cidade, como histórico de consumo, inclusive nas regiões mais carentes”, detalha.
O processo de captação e distribuição de água nunca terá perda zero, mas a portaria nº 490 do Ministério do Desenvolvimento Regional estipulou que o índice de perdas total fique em 25% até 2034. A porcentagem não é exatamente uma meta, mas é condicionante para investimentos no setor.
Segundo o estudo do Trata Brasil, se o país atingisse a meta de 25%, hoje está em quase 40% de perdas, haveria uma economia da ordem de 2,2 bilhões de m³ de água. O volume seria suficiente para atender 39 milhões de brasileiros em um ano.
O patamar de excelência seria conseguir reduzir as perdas para apenas 15% do total, muito difícil de ser alcançado quando se olha a realidade brasileira.
Outra forma de medir as perdas é por ligação, ou seja, em um ramal específico. Hoje a média é de 339 litros por ligação ao dia. O ideal seria 216 litros.
Em geral, em locais onde há abundância de água, as perdas são vistas como aceitáveis, mas em ambientes e momentos de escassez, elas se tornam um problema ainda maior.
“Falar em rodízio de água ainda é precipitado. Mas há uma situação crônica no estado de São Paulo, por exemplo, com limitação de disponibilidade hídrica para o número de habitantes. No Paraná, a crise já foi anunciada. Uma das medidas necessárias é a redução de perdas, para retirada de menos água do manancial, redução da captação de novas fontes e ganho para o meio ambiente”, ressalta o pesquisador.
A região que mais apresentou piora nos índices de perdas de água no período 2015-2019 foi a norte. Ela tem também os piores indicadores de saneamento e teve 55,2% de perdas na distribuição só em 2019, ou seja, mais da metade da água potável produzida. É seguida pelo nordeste com 45,7% e o sul com 37,5%. Já a região sudeste teve perdas de 36,1% e a centro-oeste, 34,4%.
As médias de perdas por ligação ao dia, em 2019, estavam todas fora do padrão de excelência. O pior desempenho novamente foi o da região norte, com quase o triplo do nível ótimo: 639,94 litros diários por ligação.
De acordo com o levantamento, o estado de Goiás foi o que apresentou a menor perda na distribuição (29%) e o Amapá, a maior: 74%. Outro dado preocupante é que 15 estados apresentaram indicadores ainda piores que a média nacional, que é de 39%, variando de 40 a 74% de perdas de água.
Apesar de o cenário parecer desalentador, há 10 cidades com índices de perdas já adequados às metas estabelecidas pelo Ministério. A melhor situação foi verificada em Blumenau (SC) com 16,38% de perdas, seguida por Campinas (SP) com 20,7%, e Campo Grande (MS), 19,9%. Estão também na lista Goiânia (GO), Limeira (SP), Maringá (PR), Petrópolis (RJ) e ainda Santos, São José do Rio Preto e Taboão da Serra, todas em São Paulo.
No entanto, entre os 10 piores resultados, há situações extremamente preocupantes. É o caso de Porto Velho (RO), que desperdiça 83,8% da água captada.
“É preciso uma redução consistente nos próximos anos. Cidades com 60% de perdas têm mais facilidade em chegar em 50% do que as que têm menos de 30%, mas é possível, já há as que honram isso. Mas existe um ciclo vicioso. Onde as perdas são muito altas, há indícios de problema na gestão, com isso há dificuldade de se conseguir investimentos, aí os indicadores são piores e tem menos recursos”, constata Pedro Scazufca.
Para Luana Siewert, diretora das Asfamas, já existe tecnologia capaz de monitorar vazamentos, mapear ramais e identificar problemas na rede de abastecimento, mas o principal desafio é o recurso financeiro.
“A grande questão é a prioridade no investimento. O Brasil ainda não tem acesso à água. As concessionárias são cobradas pelo avanço do sistema de abastecimento de água e de esgoto. Como o recurso é finito e a empresa é cobrada pela universalização do serviço, a redução de perdas fica em segundo plano”, revela.
Segundo ela, a forma mais comum e barata de reduzir as perdas em vazamentos é diminuir a pressão pelo uso de válvulas redutoras. Outra opção é a troca da tubulação, que tem uma vida útil, mas acaba por ser utilizada por 50 anos.
De acordo com a diretora da associação, é preciso investimento na substituição das redes e ramais. No passado, a manutenção era feita com um remendo, o que aumentava as chances de um novo problema. Hoje as concessionárias já perceberam que a troca do equipamento é mais eficiente.
A grande inovação no setor é IOT (Internet das Coisas), sensores colocados ao longo da tubulação para análise dos indicadores. O problema é que são milhares de quilômetros de redes em grandes cidades e o processo tem um custo alto. Hoje a tecnologia já é aplicada, mas os sensores estão numa distância maior do que a indicada.
Quanto às perdas por fraudes, elas são perceptíveis pelas concessionárias analisando os perfis de consumo de cada uma das unidades, entendendo o porquê de uma redução drástica – se o imóvel está fechado ou se é furto, por exemplo. Para isso, as visitas de fiscais em campo são essenciais.
Em comparação a outros países, segundo o estudo do Instituto Trata Brasil, o Brasil registrou, em 2019, índice de perdas piores que os de Camarões (40%), África do Sul (34%), Etiópia (29%), Reino Unido (21%) e Polônia (17%), entre outros.
Mesmo se olharmos apenas para a América Latina, o Brasil apresenta resultados ruins, sendo o 5º entre os 10 países analisados. Ele está mais próximo do último colocado (Colômbia, com 46%) do que do primeiro (Chile, com 31%).
“Eu acredito que a meta de 25% de perdas seja factível se tiver alocação de recursos e novas metas forem colocadas já nas concessões. Um estudo feito pelo governo federal em 2019 indicou que, para reduzir as perdas a 31%, o custo seria de R$ 59 bilhões. Dinheiro das concessionárias e consequentemente do consumidor pela tarifa”, lembra a diretora da Asfamas.
Se atingida a meta, segundo o estudo, existe um potencial de ganhos brutos com a redução de perdas de R$ 54,1 bilhões até 2034. No entanto, pelo menos metade deste valor precisaria ser reinvestido no próprio combate às perdas, gerando um benefício líquido de R$ 27,1 bilhões em 15 anos.
Pedro Scazufca também acredita que o Marco Legal do Saneamento, aprovado em 2020, represente um ponto de virada para o setor. “Estamos no momento distantes dos indicadores desejáveis. Mas com a aprovação do marco, melhora a regulação, está prevista a universalização do acesso à água até 2033, isso melhora a eficiência na prestação do serviço. Pode indicar uma virada, já que tem um direcionamento criado para que isso ocorra”, conclui o pesquisador.
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