Um estudo realizado pela Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) constatou que pelo menos 73 prefeituras gaúchas podem parcelar o pagamento dos salários dos servidores municipais até o final deste ano. O número corresponde a 24% dos 306 municípios que responderam essa pergunta no questionário enviado pela entidade. O levantamento contou, ao todo, com 316 respostas, e foi realizado entre os meses de abril e julho de 2016.
Indagados sobre as causas da crise financeira, 89% dos prefeitos que responderam à pesquisa apontam como principal dificuldade a queda nos repasses federais. Corte de verbas estaduais (83%) e aumento das despesas com folha de pagamento (57%) também foram citados como fatores que comprometem a gestão municipal.
O presidente da Famurs e prefeito de Arroio do Sal, Luciano Pinto, explica que parcelamento é uma ação amarga imposta pela falta de outras alternativas. “Só a possibilidade de atrasar salários é algo terrível para o gestor público. Agora é uma medida que passa a ser real porque os repasses tiveram uma queda, principalmente o Fundo de Participação dos Municípios. A crise não foi criada pelos prefeitos”, ponderou.
O coordenador do departamento jurídico da Famurs, Esteder Jacomini, explica que protelar o pagamento dos funcionários públicos é tema controverso entre os operadores do Direito. Ele classifica a medida como arriscada. “Se um município parcelar salário, ele pode ter complicações perante o Poder Judiciário e o Tribunal de Contas”, avaliou.
Em 2016, apenas uma parcela (64%) das prefeituras gaúchas conseguiu corrigir o salário do funcionalismo de acordo com a inflação. Conforme a pesquisa da Famurs, 36% dos municípios não concedeu aumento integral aos servidores municipais. “Essa foi uma das dificuldades enfrentadas pelas prefeituras neste ano”, comenta a assessora técnica da Área de Receitas Municipais da Famurs, Cinara Ritter.
Boa parte das prefeituras concedeu reajuste inferior à inflação. Essa foi a alternativa encontrada por 75 cidades (24%). Outra solução, utilizada por 28 municípios (9%), foi parcelar o reajuste. Em 12 municípios (3%), os funcionários públicos não receberam aumento salarial. “A falta de recursos e o risco de extrapolar o limite da folha de pagamento, estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, restringiram a concessão de aumentos ao funcionalismo”, justificou Cinara.
Queda no repasse do FPM agrava crise financeira dos municípios
A dificuldade enfrentada pelas prefeituras foi evidenciada com a recente divulgação de outro estudo realizado pela Famurs. No levantamento, foi demonstrado que as prefeituras gaúchas deixaram de receber R$ 209,6 milhões da União no primeiro semestre de 2016. A defasagem nas receitas foi provocada pela queda na arrecadação do governo federal, que afetou os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Conforme projeção do governo federal, apresentada no Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2016, era previsto um crescimento de 7,9% nas receitas do FPM em relação ao ano passado. É com base nesse cálculo, elaborado pela Secretaria do Tesouro Nacional, que as prefeituras projetam seus orçamentos. Dessa forma, os municípios gaúchos seriam contemplados com um repasse de R$ 2,556 bilhões nos primeiros seis meses de 2016. No entanto, as prefeituras receberam apenas R$ 2,346 bilhões da União. Uma defasagem de quase R$ 210 milhões.
“Corremos o risco de que falte dinheiro para pagar a folha”.
Em fevereiro deste ano, ganhou destaque na imprensa da capital a informação de que a prefeitura de Porto Alegre poderia parcelar ou atrasar o pagamento dos salários dos servidores municipais. O prefeito José Fortunati afirma que tem trabalhado “para que isso não aconteça”. Empenhado em equilibrar as finanças, ele vedou, a partir de março, gastos com passagens, diárias, novos contratos e convênios que gerem despesa. Além disso, foi suspensa a criação de cargos, gratificações, contratações e concursos. Foi criado ainda um grupo de trabalho que atua na análise de gastos e nas medidas de contingenciamento.
Fortunati avalia que a falta de recursos nos municípios é uma combinação de antigos e novos problemas. “A crise financeira que atinge não só a prefeitura de Porto Alegre, mas todos os municípios e estados do Brasil, é o que tem feito as administrações municipais penarem para manter a máquina funcionando de forma adequada. Uma das grandes causas dessa dificuldade reside no fato de que o Congresso Nacional, o Governo Federal, o Poder Judiciário, Ministério Público e etc impõem, a cada dia, novas responsabilidades aos municípios sem que exista uma contrapartida financeira para o pagamento das despesas. É muito fácil ‘fazer o milagre’ com o orçamento dos outros”, reclamou.
Para agravar ainda mais as dificuldades financeiras, Porto Alegre foi, no primeiro semestre de 2016, o município que teve a maior perda na arrecadação do FPM. A prefeitura deixou de receber aproximadamente R$ 13 milhões. Com esta verba, seria possível construir, por exemplo, 11 escolas de educação infantil. “Não existe fórmula mágica. Com cada vez menos recursos e mais despesas, corremos o risco de que falte dinheiro para pagar a folha” refletiu José Fortunati.
“Não está descartado o parcelamento”
O município de Porto Mauá, na Grande Santa Rosa, tem como principal fonte de recursos o FPM, que representa aproximadamente 70% de toda a arrecadação. Com a responsabilidade pelo pagamento dos salários de 120 servidores, o prefeito Guerino Pisoni demonstra preocupação. “O segundo semestre já se mostra ameaçador. Não está descartado o parcelamento”, projetou. A estimativa é de que as dificuldades financeiras da prefeitura se agravem a partir de setembro.
No início deste ano, Porto Mauá concedeu reajuste de 11,28% aos servidores. A medida, segundo o prefeito, contribuiu para agravar a situação das finanças do município porque a elevação dos salários incide sobre “outros benefícios e vantagens” dos servidores. A folha de pagamento já drena 45,53% da receita corrente líquida (RCL) da prefeitura. A Lei de Responsabilidade Fiscal prevê que o poder executivo municipal pode aplicar até 54% da RCL em salários.
Cresceu, nos últimos anos, o desequilíbrio entre receitas e despesas do município de quase 2,6 habitantes. Situação que, na avaliação do prefeito, contribuiu para as dificuldades financeiras de Porto Mauá. Para piorar, os convênios com a União e o Estado oneraram a prefeitura. “Foram muitas responsabilidades, programas e ações repassadas ao município. Essa transferência sobrecarregou a folha de pagamento e a estrutura de serviços que o município presta à população”, lamentou.
“As prefeituras estão chegando ou já bateram no fundo do poço”
A prefeitura de Santo Ângelo, nas Missões, tem feito uma verdadeira engenharia financeira para não deixar de atender as demandas dos quase 79 mil habitantes. No seu segundo mandato como prefeito, Valdir Andres afirma que nunca tinha visto um cenário de tantas dificuldades. “A crise dos municípios é a maior dos últimos 40 anos. As prefeituras estão chegando ou já bateram no fundo do poço. Já não tem para onde descer”, avaliou, ao comparar a conjuntura atual com a realidade administrativa da década de 1980, quando foi prefeito pela primeira vez.
No atual mandato, Andres reduziu o número de servidores de 1.660 para 1.380. Diante da atual crise, não foi dada recomposição salarial aos funcionários municipais em 2016. Ele classifica como “dramática” a situação das finanças da prefeitura. O ponto crítico da arrecadação será atingido em novembro. “Se continuar essa queda de receita, nada pode ser descartado”, explicou o prefeito sobre a possibilidade de parcelar os salários.
Apesar de todo o esforço para economizar, Valdir Andres lembra que o crescimento vegetativo das despesas do município colabora para o desequilíbrio das contas. Outra dificuldade enfrentada pela prefeitura é o aumento da judicialização nas áreas da saúde, assistência social e habitação. O prefeito critica o papel desempenhado pelos demais entes federados. “Os poderes federal e estadual e o judiciário cada dia exigem que a prefeitura bote o seu dinheiro em atividades que não seriam do município”, reclamou.
“A estabilidade no emprego tem que ser repensada no país”
O último repasse do FPM frustrou o governo de Carlos Barbosa. Dos R$ 685 mil esperados, o município da Serra recebeu R$ 400 mil. A prefeitura, apesar das dificuldades, tem pago em dia o salário dos 596 servidores. No entanto, o prefeito Fernando Xavier é realista em relação ao futuro. “É possível que teremos que fazer o parcelamento de salário. Digo isso até para preparar psicologicamente os servidores e a sociedade”, explicou.
Hoje, a prefeitura compromete 43% da receita corrente líquida com a folha de pagamento. Diante das dificuldades financeiras, o município de Carlos Barbosa precisou dividir em três parcelas o pagamento da recomposição salarial de 12,08%, que foi concedida aos servidores em 2016.
Xavier acredita que a atual crise é uma oportunidade para se repensar as leis. “Precisamos de mudanças na legislação. A estabilidade [dos servidores públicos] no emprego tem que ser repensada no país”, defendeu. Ele avalia que apenas algumas funções, como juiz, promotor, fiscal e agente administrativo, devem ter algum tipo de garantia para escapar de perseguições políticas.
“Os planos de carreira vão inviabilizar as prefeituras”
No Sul do Estado, o governo de Pedro Osório tem apertado o cinto para garantir que os servidores municipais recebam em dia. No entanto, o comportamento das finanças do município nos próximos meses já é motivo de preocupação. “Nós estamos com a possibilidade de parcelar [os salários dos funcionários públicos] logo ali”, avaliou o prefeito César de Brito. Se as receitas continuarem em queda, o dirigente projeta que já enfrentará dificuldades a partir de setembro.
Na sexta-feira (8/7), o município esperava receber R$ 380 mil no repasse do Fundo de Participação dos Municípios. Foi depositado na conta da prefeitura menos da metade: R$ 170 mil. O FPM representa 56% de tudo que é arrecadado. Com oito mil habitantes, Pedro Osório conta, entre ativos e inativos, com 300 servidores. Hoje, a folha salarial consome 50% da receita do município.
Na avaliação do prefeito, a necessidade de conceder reajuste aos servidores mesmo quando as finanças do município não vão bem dificulta a vida dos gestores municipais. “Os planos de carreira vão inviabilizar as prefeituras em 10 anos”, projetou. Brito cobra uma ação imediata da União. “O governo federal deveria aumentar o repasse do FPM. Não tem mais onde cortar”, defendeu.
“Exaurimos a capacidade de arrecadação do município”
Na Região Celeiro, a prefeitura de Chiapetta já não tem recursos para cumprir todas as obrigações. “Existe a possibilidade [de parcelamento de salários] porque vivemos uma incógnita diante dos repasses dos FPM e ICMS. Estamos pagando a folha em dia, mas atrasando os fornecedores”, explicou o prefeito Osmar Kuhn. Hoje, o município investe, por mês, R$ 600 mil para pagar os 268 funcionários.
O dirigente avalia que as isenções fiscais concedidas pelo governo federal nos últimos anos, como redução da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), retiraram recursos das prefeituras. “Quando faz concessões, [a União] mete a mão no dinheiro dos municípios”, reclamou Kuhn.
O prefeito de Chiapetta defende que a melhora nas finanças passa por uma redistribuição mais justa do bolo tributário. “Se não mexer no pacto federativo, estaremos com o pires na mão. Já exaurimos a capacidade de arrecadação do município”, lamentou.
“Ano mais difícil em termos de recursos”
No inverno, a economia de Gramado, na Serra Gaúcha, é beneficiada pela presença de um grande número de turistas, que geram os dividendos necessários para equilibrar as contas do município. O prefeito Nestor Tissot classifica 2016 como o “ano mais difícil em termos de recursos”. O pagamento dos salários dos 1,2 mil funcionários públicos consome 44% da arrecadação da prefeitura.
Ainda não foi necessário parcelar o vencimento dos servidores. No entanto, Tissot afirma que o “cenário é preocupante [para as finanças do município]” nos meses de agosto, setembro e outubro, período em que diminui o número de visitantes na cidade.
“É preciso construir um pacto federativo”
O corte de despesas tem garantido que o município de Vale do Sol, no Vale do Rio Pardo, pague em dia os salários dos 335 servidores ativos. No entanto, a possibilidade de parcelar o vencimento dos funcionários municipais preocupa o prefeito Clécio Halmenschlager. “Se a receita continuar caindo, não é impossível de acontecer”, ponderou.
O prefeito avalia que a situação da economia brasileira e dificuldades locais colocaram o município nesta situação. Reclama também que a prefeitura precisa investir recurso livre para manter os programas da União e Estado. Halmenschlager espera que os congressistas compreendam a dificuldade vivida pelos municípios brasileiros e façam as mudanças necessárias na legislação. “Para não entrarmos no estágio falimentar, é preciso construir um pacto federativo. É no município que tudo acontece”, defendeu.
O que é o FPM
O Fundo de Participação dos Municípios é uma importante fonte de receita dos municípios brasileiros. Composto por 24,5% de toda a arrecadação do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto de Renda (IR), o Fundo é recolhido pelo governo federal e distribuído a todos os municípios de acordo com o número da população. A receita do FPM chega a representar mais de 80% de todos os recursos de algumas cidades gaúchas como São Pedro das Missões (84,3%) e Lajeado do Bugre (83,5%), segundo estudo da Famurs.
Lei de Responsabilidade Fiscal
A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 04/05/2000) estabelece, em regime nacional, parâmetros a serem seguidos relativos ao gasto público da União, Estados e Municípios. Uma de suas responsabilidades é das despesas com pessoal, que não deve exceder o limite de 60% a Estados e municípios e 50% da União. Caso haja seu descumprimento, o ente federado recebe punições: não pode contratar operações de crédito, não recebe transferências voluntárias e não obtém garantias para empréstimos.
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